Membresia

Reflexões sobre a definição de intimidade e amizade

Por Ed Shaw

Ed Shaw é o pastor de Emmanuel City Centre em Bristol, Inglaterra, e parte da equipe editorial de Living Out. Ele é o autor de Same-Sex Attraction and the Church: The Surprising Plausibility of the Celibate Life [Atração Homossexual e a Igreja: A Plausibilidade Surpreendente da Vida Celibatária].
Artigo
09.03.2020

Uma vez pesquisei no Google a palavra “intimidade” e descobri que 99% das imagens tinham cunho sexual. Em nosso mundo ocidental atual, a intimidade é equivalente ao sexo. Você quer experimentar intimidade? Precisa fazer sexo. Os dois são quase sempre inseparáveis ​​em nossas mentes.

Ilustramos esse fato em nossa interpretação instintiva de apenas um versículo da Bíblia. Ele registra parte de um lamento que o rei Davi do Antigo Testamento compôs ao ouvir sobre a morte de seu melhor amigo, o filho do rei Saul, Jônatas. E ele contém essas palavras comoventes:

Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; tu eras amabilíssimo para comigo! Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres (2 Samuel 1.26).

Hoje parece impossível para alguém ler essa canção sem pensar que Davi e Jônatas devem ter desfrutado de uma relação sexual. Você não se percebeu rapidamente pensando em algo homoerótico sobre eles? Usando esse versículo, alguns já reivindicaram a aprovação bíblica de relacionamentos homossexuais — tudo porque Davi diz que o amor de Jônatas por ele era melhor do que o de uma mulher. Simplesmente não conseguimos nos conter.

Mas, e quanto à teoria mais plausível de que a amizade simples de Jônatas era mais preciosa para Davi do que suas relações complicadas com as mulheres? (1 Samuel 25.42-44 lista três esposas nesta fase da vida de Davi). Por que não é possível que ele tenha apreciado a intimidade não sexual de sua amizade com Jônatas (também um homem casado) mais do que a intimidade sexual de suas relações com Abigail, Ainoã e Mical? Por que não concluir que ele não está dizendo que Jônatas era melhor na cama do que as suas esposas — mas que a amizade de Jônatas era melhor do que qualquer coisa que Davi fez na cama com suas esposas?

Infelizmente, não conseguimos conceber essa possibilidade hoje. Tal intimidade deve significar sexo. Nossas vidas sexuais devem ser as melhores coisas sobre nossas vidas. Porém, acho que isso nos informa mais sobre nossos relacionamentos hoje do que sobre a relação de Davi e Jônatas no passado. Vivemos em uma sociedade cujo único caminho para a verdadeira intimidade se tornou o prazer do sexo.

E as consequências para alguém como eu parecem ser muito trágicas: nenhum relacionamento íntimo porque estou dizendo não ao sexo. Assim, minha vida será solitária sem o tipo de relacionamentos que qualquer ser humano precisa para sobreviver, e quanto mais florescer. Não é de admirar que muitos pensem que a vida celibatária que escolhi não é plausível — que vou definhar lentamente, ou (de preferência) desistir disso em breve.

A intimidade é importante

Os seres humanos necessitam de intimidade. Sem isso, morremos por dentro — ainda que continuemos a nos movimentar exteriormente. O próprio Deus fala de modo claro sobre essa necessidade (Gênesis 2.18). Kate Wharton aborda essa questão de forma proveitosa:

Uma vez que Deus declarou que não era “bom” que Adão estivesse só, os seres humanos têm vivido uns com os outros, compartilhando a vida juntos. Necessito de outras pessoas na minha vida. Preciso delas para desabafar após um dia ruim; preciso que elas trabalhem ao meu lado no ministério; preciso que elas compartilhem uma garrafa de vinho comigo enquanto conversamos; preciso que elas apontem as partes do meu caráter que precisam ser trabalhadas; preciso que elas comemorem comigo quando coisas boas acontecem; preciso passar os meus dias de folga e feriados com elas; preciso delas para me darem um abraço e me dizerem que tudo ficará bem.

Necessito de intimidade de todas essas maneiras. Então, necessito estar em uma relação sexual íntima, ter “alguém especial”. Esse parece ser o argumento que Kate está fazendo. Mas não é. Ela é uma mulher solteira (não é atraída por pessoas do mesmo sexo — apenas para registro) que está falando sobre a necessidade dada por Deus de que todos vivamos nossas vidas em comunidade. Ela está afirmando o que é muito ignorado: que a resposta de Deus ao problema da solidão humana não é apenas a intimidade sexual do casamento, mas tudo o que o primeiro casamento tornou possível. Desse casamento surgiram mais pessoas e a possibilidade da vida em comunidade. Ao negar-me uma parceira sexual, Deus não está me negando relacionamentos íntimos — ele os fornece de inúmeras outras maneiras.

Então, surpreendentemente, não sinto que é Deus quem me impede de ter relacionamentos íntimos. Antes, muitas vezes eles são negados a mim por causa da nossa sociedade e cultura sexualizadas. O mundo em que vivemos não consegue lidar com relacionamentos íntimos que não são sexuais; não faz sentido; não é possível. Então, tive que me afastar do aprofundamento de amizades com homens e mulheres por medo de que essas amizades fossem vistas como inapropriadas. Nenhuma delas era — mas a suposta impossibilidade de intimidade não sexual implicou que nos sentimos sob pressão de terminá-las. O que às vezes foi muito difícil.

Mas o que tem sido mais difícil é como a igreja frequentemente desencoraja a intimidade não-sexual também. Nossa resposta à revolução sexual que está acontecendo fora de nossas portas tem sido tristemente apenas promover a intimidade sexual no contexto do casamento cristão. E encorajar as pessoas a mantê-la no contexto do casamento, prometendo que essa relação suprirá toda a intimidade que eles sempre desejaram. O jornalista Andrew Sullivan fala sobre isso:

As igrejas cristãs, que já… sustentaram a virtude da amizade como igual ao benefício do amor conjugal, são os propagandistas principais e obsessivos da nossa cultura para a unidade conjugal e sua capacidade de resolver todos os males humanos e satisfazer todas as necessidades humanas.

Gostaria de dizer que isso não é verdade. Mas é! Se nossas igrejas dedicassem tanto tempo e energia para promover boas amizades quanto dedicam em prol de bons casamentos, a vida seria muito mais fácil para pessoas como eu. E, curiosamente, muito melhor para todos os outros. Sullivan continua a apontar uma consequência trágica dessa idolatria cristã do casamento:

Famílias e casamentos falham muitas vezes porque estão tentando responder a muitas necessidades humanas. É requerido que um cônjuge seja um amante, um amigo, uma mãe, um pai, uma alma gêmea, um colega de trabalho, e assim por diante. Poucas pessoas podem ser todas essas coisas para uma pessoa. E quando as demandas são muito elevadas, a decepção só pode ser grande também. Se os maridos e as esposas têm amizades mais profundas e fortes fora da unidade conjugal, o casamento tem mais espaço para respirar e menos encargos para suportar.

Precisamos ler a totalidade de nossas Bíblias novamente. Nelas, continuaremos encontrando passagens que nos ordenam a promover e proteger o casamento (apenas no livro de Provérbios: capítulos 5; 7; 21.9), mas igualmente continuaremos descobrindo (talvez pela primeira vez) um número surpreendente de passagens que nos ordenam a promover e proteger amizades também (Provérbios 17.17; 18.24; 27.5-6, 9-10). Precisamos começar a fazer os dois — não só para que pessoas como eu sobrevivam e se desenvolvam, mas para que nossos casamentos e famílias sobrevivam e se desenvolvam também.

Amizades íntimas

E isso só acontecerá se visarmos a intimidade nas amizades, bem como no casamento. Amizades íntimas são o que torna a minha vida possível hoje. Tenho uma série de relacionamentos com pessoas que me conhecem muito bem. Elas sabem a maioria das coisas sobre mim: o bom, o ruim e o feio. E elas me amam e se importam comigo, apesar desse conhecimento, e retribuo a bondade, apesar do conhecimento semelhante que tenho sobre elas.

Phil e Caroline são dois amigos solteiros com quem bebo gin e champanhe — embora não ao mesmo tempo! Eles riem comigo e de mim (uma excelente combinação) e são as duas pessoas com quem mais gosto de passar o tempo. Passo as férias com eles todos os anos, junto com um grupo de amigos com quem temos compartilhado nossas vidas por uma década ou mais. Isso é algo belo.

Para citar outro exemplo, deixe-me falar sobre minha amizade com Julian, Mark, Matthew e Neil. Conhecemo-nos em uma faculdade bíblica. Sempre sentamos juntos na mesma parte da sala de aula. Aos poucos, nos conhecemos. Após uma conversa assustadora sobre todas as maneiras pelas quais poderíamos naufragar em nossas vidas e ministérios, formamos um grupo de prestação de contas com o objetivo de ajudarmos uns aos outros a seguirmos pelo caminho estreito de Jesus. Antes dessa conversa, nos conhecíamos muito superficialmente — treze anos depois, nos conhecemos muito bem.

E isso tem significado nos conhecermos intimamente, compartilhando intencionalmente os detalhes de nossas vidas que preferiríamos manter em segredo, mas que realmente se beneficiaram de virem à luz em uma boa companhia cristã. Primeiramente, fui franco e honesto sobre minha sexualidade com esse grupo de amigos. Eles têm um bom histórico de serem pessoas confiáveis ​​com as quais você poderia compartilhar coisas difíceis, principalmente compartilhando as coisas difíceis que eles mesmos estavam passando. Intimidade gera intimidade — apenas ser franco e honesto com outros seres humanos encoraja todos a prosseguirem em compartilhar e cuidar. Eles são, como resultado, as pessoas que Deus mais usou para me manter seguindo como cristão. Não poderia ser mais grato a Deus por eles.

Por outro lado, é interessante notar que o psicólogo cristão William Struthers vê esse tipo de intimidade masculina piedosa como a principal resposta à atual epidemia de dependência da pornografia entre os membros da igreja do sexo masculino. A sua teoria é persuasiva:

Os mitos sobre a masculinidade em nossa cultura isolaram os homens uns dos outros e prejudicaram a sua capacidade de honrar e abençoar uns aos outros. Muitos homens têm poucos amigos íntimos. Suas amizades são tão profundas quanto as coisas que eles fazem juntos. Ao encontrar amigos do sexo masculino com quem se aprofundar, a necessidade de intimidade pode ser suprida de maneiras não-sexuais com esses amigos do sexo masculino. Quando isso acontece, a intensidade da necessidade de intimidade não é canalizada através de relações sexuais com uma mulher; ela pode ser distribuída em muitos relacionamentos. A intimidade sexual pode ser experimentada com uma mulher, mas a intimidade também pode ser vivida com outros. Nem toda intimidade é genital, então não se sinta restrito em seus relacionamentos com seus irmãos em Cristo.

Seu argumento é interessante: nossos impulsos sexuais não são apenas diminuídos pela intimidade sexual; eles podem ser satisfeitos com a intimidade não-sexual, por meio da amizade também.

Minha experiência pessoal é que o poder da tentação sexual diminui à medida em que passo mais tempo com amigos com quem não sou íntimo de modo sexual. Isso pode parecer estranho, mas acho que prova o fato de que a verdadeira intimidade não é encontrada apenas no sexo, mas também nas amizades, então não tenho que viver a vida sem essa intimidade apenas porque não estou fazendo sexo. Para mim, isso tem envolvido garantir de modo intencional que as minhas amizades com membros de ambos os sexos sejam cada vez mais apropriadamente íntimas. Para outras pessoas, que têm atração homossexual, sei que a intimidade em amizades com pessoas de seu mesmo sexo pode conduzir a mais tentação sexual, porém com honestidade e responsabilidade presentes, não há necessidade dessas amizades serem completamente evitadas.

Então, você quer fazer sua própria parte para enfrentar o problema da plausibilidade? Empenhe-se em tornar as suas amizades mais íntimas. Arrisco um palpite de que isso será um desafio. Estamos bastante acostumados a permanecer muito superficiais (especialmente se somos homens). O conselheiro bíblico Paul David Tripp é precisamente correto quando escreve:

Vivemos em redes entrelaçadas de relacionamentos extremamente casuais. Vivemos com a ilusão de que nos conhecemos, mas não é assim na realidade. Chamamos de “comunhão” as nossas conversas descontraídas, autoprotetoras e muitas vezes teologicamente superficiais, mas essas conversas raramente atingem o limiar da verdadeira comunhão. Conhecemos detalhes demográficos e indiferentes uns dos outros (casado ou solteiro, tipo de trabalho, número de filhos, local de habitação, etc.), mas conhecemos pouco sobre a batalha da fé que é travada todos os dias por trás de rígidos limites pessoais.

Uma das coisas que ainda me assombra no aconselhamento, mesmo após todos esses anos, é o quão pouco costumo saber sobre pessoas que considerava como verdadeiros amigos. Não posso dizer a vocês quantas vezes, ao falar com amigos que buscaram a minha ajuda, fui surpreendido com detalhes sobre dificuldade e luta muito além de qualquer coisa que eu teria previsto. O privatismo não é apenas praticado pelo incrédulo solitário; também é generalizado na Igreja.

Se, em vez disso, todos começássemos a viver em redes entrelaçadas de relacionamentos cada vez mais íntimos, as nossas vidas seriam muito melhores.

Criando intimidade

Mas, como podemos fazer isso? Como podemos começar a construir essas redes tão necessárias?

Em primeiro lugar, precisamos dedicar tempo às pessoas. As amizades são construídas não através de conversas rápidas antes e depois da igreja, mas quando permanecemos na companhia uns dos outros. Então, que atividades mais realizamos? Bem (desconsidere, conforme apropriado): cozinhar, comer, beber, lavar louças, assistir televisão, levar as crianças para o parque, artesanato e passear no shopping; todas essas vêm imediatamente à mente. Comece a convidar as pessoas a fazerem essas coisas com você (provavelmente você fará a maioria dessas coisas de qualquer modo) — você logo conhecerá melhor essas pessoas.

Em segundo lugar, comece a compartilhar algumas intimidades com seus amigos. Conte a eles as suas preocupações, dúvidas, medos e sofrimento; faça-lhes perguntas sobre eles. Uma das minhas melhores amizades foi edificada sobre apenas uma conversa quando ele me fez algumas boas perguntas. Outras amizades se desenvolveram lentamente ao longo dos anos, enquanto compartilhamos honestamente os altos e baixos da vida juntos.

Em terceiro lugar, persevere! Amo a observação de Anne Lamott: “A ruína é o terreno em que as nossas amizades mais profundas são edificadas”. Eu continuo errando em amizades e sou tentado a fugir sempre que cometo erros novamente. Contudo, minhas melhores amizades são as que implodiram, mas depois foram reconstruídas lentamente. As amizades com muita frequência realmente continuam após a primeira discussão ou mal-entendido e as conversas delicadas e dolorosas que se seguem.

Deseja mais ajuda com suas amizades? Meu amigo Vaughan Roberts escreveu recentemente um pequeno livro sobre amizade que seria minha melhor indicação para você. Recentemente, encorajamos toda a nossa família da igreja a lê-lo. Nele, Vaughan compartilha honestamente a sua própria percepção da superficialidade de muitas de suas amizades e o que ele fez para mudar isso — baseado no que a Bíblia diz sobre a importância de amizades íntimas. Por que não ler esse livro depois deste artigo?

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Nota do editor: Este artigo foi extraído de Same-Sex Attraction and the Church [Atração Homossexual e a Igreja] por Ed Shaw. Copyright (c) 2015 por Ed Shaw. Copyright (c) 2015. Usado com permissão de InterVarsity Press, P.O. Box 1400, Downers Grove, IL 60515.

 

Tradução: Camila Rebeca Teixeira.
Revisão: André Aloísio Oliveira da Silva.

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