Liderança
Preparar pastores é tarefa da igreja
A RESPONSABILIDADE DA IGREJA
Uma entrevista com Pr. Mark Dever
Mark Dever é pastor da igreja Batista de Capitol Hill; é fundador do ministério 9Marcas e um dos organizadores do ministério Juntos Pelo Evangelho.
9Marcas: Por que você acha que preparar a próxima geração de pastores é responsabilidade da igreja local?
Mark Dever: Primeiramente, porque vemos isso nas Escrituras. No livro de Atos, observamos que Paulo e Barnabé são enviados pela igreja local. Paulo pede a Timóteo, o pastor de Éfeso, que confie as verdades do evangelho a homens fiéis que as ensinem a outros (2 Tm 2.2). Jesus entrega as chaves do Reino à igreja e promete que ela prevalecerá (Mt 16.18-20). Em nenhum momento Ele relaciona a vitória da igreja a seminários financeiramente viáveis ou doutrinariamente fiéis (espero que sejam viáveis e fiéis!).
Não sou contra os seminários, apesar de que eram desconhecidos entre os protestantes antes dos séculos XVIII e XIX. Apenas quero dizer que a Bíblia nos mostra a igreja local – uma comunidade em que as pessoas são conhecidas, a sua conversão é testificada, e seus dons, testemunhados – como o local apropriado para se fazer essa afirmação de tanta importância a respeito do dom e da chamada de Deus na vida de alguém. Preparar líderes é parte da comissão da igreja.
9M: Quanto à tarefa de preparar ministros, de que recursos uma igreja local dispõe que um seminário não possui?
Dever: Uma visão de 360º sobre a vida de alguém. Amizades. Muitas pessoas que se relacionam com essa pessoa de maneiras diversificadas, o que é diferente de ser um dos 62 alunos que um professor tem de conhecer numa classe. A igreja local tem sido o instrumento ao qual Deus confia a clareza de seu evangelho, tanto na pregação como naqueles que são admitidos à mesa do Senhor ou afastados dela. Os seminários não possuem tal aptidão ou comissão.
Além disso, na igreja local há vidas que afetam a pessoa em questão. Portanto, ela tem a oportunidade de observar os exemplos dos presbíteros ou líderes – como o mostra Hebreus 13.7. Esse membro da igreja pode considerá-los, e eles, por sua vez, a esse membro. Portanto, há uma experiência de aprendizado na vivência natural.
9M: O pastor e a igreja são responsáveis por não tomarem as medidas adequadas ao preparo de futuros pastores?
Dever: Bem, minha resposta é “sim”. Quero ser amável e compreender que há algumas igrejas ou muito pequenas ou não preparadas. Contudo, devemos entender que preparar futuros ministros é uma oportunidade que o Senhor coloca diante de nós, que devemos aspirar e orar por essa tarefa.
9M: Quando você fala sobre a importância da igreja ter uma visão de 360º sobre a vida de uma pessoa, está se apoiando em determinada filosofia de ministério. Que pressupostos você faz a respeito de como o ministério e o crescimento cristão ocorrem? Por que não basta apenas que eu seja treinado em grego e em homilética e, depois, colocar-me atrás do púlpito, como o faz um seminarista?
Dever: Esta é uma pergunta muito interessante. Presumo que o ministério é mais do que uma simples proclamação. A proclamação simples é essencial ao ministério – isso é indiscutível. Mas essa proclamação acontece num contexto de uma comunidade de pessoas que se conhecem. Estão geograficamente no mesmo lugar, se reúnem com regularidade e, como conseqüência, conhecem uns aos outros.
No Novo Testamento, parece haver um pressuposto de que a autoridade pastoral acompanha os relacionamentos pastorais, como em Hebreus 13. Nesta passagem, os membros são admoestados a considerar a vida dos líderes (v. 7), antes de serem instruídos a que obedeçam a esses líderes (v. 17).
A importância de conhecermos uns aos outros também se harmoniza com aquilo que o Senhor nos diz a respeito de nosso testemunho, em João 13: o mundo saberá que somos seus discípulos por meio do amor que temos uns pelos outros.
De modo algum quero denegrir a centralidade da pregação da Palavra. No entanto, se apenas pregarmos a Palavra sem a integração relacional ou sem o contexto para o ministério, que é a igreja local, não saberemos como formar a membresia, como disciplinar, como discipular; tampouco seremos um bom testemunho (se o somos, isso é acidental).
Os frutos do Espírito que Paulo menciona em Gálatas são virtudes expressas a outras pessoas. Há um contexto relacional na igreja que é absolutamente perfeito para identificar quem possui o dom de ser ministro, bem como para desafiar e preparar tais indivíduos. Portanto, o fato de sentar-me para assistir a uma de suas classes de Escola Dominical me ensina algumas coisas a respeito de sua habilidade para pastorear. Observá-lo discipulando outras pessoas ou vê-lo dar-se ao incômodo de levar estudo bíblico até o quarto de Helen, que se recupera de um AVC, são atitudes que me permitem saber mais a seu respeito e me dão referências suas como pastor, coisas que eu nunca saberia se você fosse apenas um dos alunos da classe de seminário em que eu leciono.
SOBRE O BENEFÍCIO DOS SEMINÁRIOS
9M: Seria interessante considerarmos as implicações de tudo que você acabou de dizer para igrejas que têm ministérios e tarefas múltiplas. De qualquer maneira, qual a melhor utilidade dos seminários?
Dever: Os seminários são um grande dom de Deus para nós, pois nos transmitem grande conhecimento no estudo de línguas, da teologia sistemática e da história do cristianismo, dos quais provavelmente a congregação local não terá entendimento suficiente.
Não estou dizendo que os seminários são ruins e desnecessários, e sim que eles são usados para o propósito errado. Até diria que os seminários são “costumeiramente”usados para propósitos errados. Quando um jovem dá evidências de dons para o ministério pastoral, muitas igrejas simplesmente o enviam ao seminário, a fim de formá-lo como ministro. E Deus ajuda os seminários para que isso aconteça. Penso que isso se aplica a todos eles. Seminários não fazem pastores. As igrejas fazem pastores.
9M: Num contexto urbano contemporâneo, o seminário é “necessário”, “aconselhável” ou algo mais para o jovem que se sente chamado para o ministério?
Dever: Certamente não é necessário. E não é obrigatoriamente aconselhável. Tenho de dizer que é algo mais. O seminário é, às vezes, aconselhável.
Temos enviado irmãos de nossa congregação para pastorear igrejas, os quais não tiveram o benefício de um Mestrado em Divindade, obtido em um seminário. No entanto, esses irmãos conhecem ao Senhor e sua Palavra, dão testemunho disso em sua vida e família e são sábios em relação ao mundo.
Creio que a educação de um seminário teria beneficiado qualquer desses homens. No entanto, há muitas questões práticas que devem ser levadas em conta: a idade da pessoa, as oportunidades que surgem para o ministério, e assim por diante. Portanto, eu diria que isso é uma questão de chamada individual.
Em geral, eu diria: se você é mais jovem, vá para o seminário. Estou mais inclinado a dizer a um jovem de 22 anos do que a um de 32: “Faça um mestrado em Divindade”. Apesar disso, você será mais beneficiado se gastar mais tempo com sua congregação, desenvolvendo relacionamentos mais profundos e passando mais tempo ministrando entre eles.
O ESTÁGIO NA IGREJA BATISTA DE CAPITOL HILL
9M: Quando o comparo com outros estágios pastorais, o estágio na Igreja Batista de Capitol Hill é excepcional. Você nem mesmo dá aos rapazes oportunidade de pregar ou ensinar! O que você está tentando realizar no estágio da IBCH? E o que não deseja realizar?
Dever: Estou tentando fazer o que chamamos de “treinamento de recrutas” na eclesiologia: introduzir os jovens ministros numa história de reflexão cristã sobre o que a Bíblia diz a respeito da igreja.
Hoje, na América do Norte, tendemos a ser muito pragmáticos. Temos em mente o sucesso visível e imediato. No entanto, quando começamos a conversar sobre crentes de épocas anteriores e de outros lugares, descobrimos o valor de séculos de reflexões sobre o que a igreja deve ser e fazer; percebemos também que essas reflexões não se conformam com o liderar a igreja por meio daquilo que produz sucesso imediato e exterior.
Portanto, queremos afetar os ministros em seu entendimento quanto ao que a igreja deve ser e, por meio da Palavra, ensinar-lhes que Deus se importa com coisas que eles talvez pensem Ele não se importa. Os crentes do passado reconheceram isso; vivemos uma amnésia comparativamente recente – talvez, o último século.
O que estamos tentando fazer? Não estamos tentando formar pastores sem a ajuda de outras pessoas. Como você disse, não damos aos irmãos a oportunidade de pregar durante o estágio (apesar de fazermos isso, como igreja, para os nossos membros, os quais estão conosco a mais tempo do que apenas alguns meses).
Ao contrário, fazemos a mente deles trabalhar, dando-lhes bastante leitura e instando-os a escrever muitos artigos. Damos também a oportunidade de uma experiência na igreja – eles participam das reuniões com os presbíteros e fazem parte da membresia durante 5 meses.
9M: Você diria que estão tentando dar aos futuros pastores uma visão da vida cristã “centralizada na igreja” ou “moldada em função da congregação”? Diria que procuram fazer que a cosmovisão ou o paradigma mude na mente deles?
Dever: Exatamente. Desejamos fazer isso cognitivamente, por meio de leituras e argumentações, mas também por meio da experiência que vivem nesses poucos meses em uma igreja como a nossa.
POR ONDE COMEÇAR
9Marcas: Ao começar o seu pastorado na Igreja Batista de Capitol Hill, você não teve um programa de estágio. Que outras coisas você começou a fazer para ajudar a preparar futuros pastores?
Mark Dever: Levar meus sermões bem a sério, orar por evangelismo e discipulado, tentar ser um exemplo disso, aproximando-me dos não-crentes; compartilhar o evangelho com eles, auxiliar os membros da igreja e procurar ajudá-los a crescer em Cristo; observar aqueles que reagiam ao meu trabalho, que se apegavam ao padrão e começavam a imitar o que faço com outros; orar particularmente por esses irmãos. Esses são sinais de que uma pessoa deveria ser um presbítero – com ou sem compensação financeira.
Além disso, levei a sério nosso estudo bíblico de quarta-feira à noite. Assim que cheguei, nas noites de domingo e das quartas-feiras, tentava indicar um livro – um bom livro –, e isso amadureceu pouco a pouco a congregação. Alguns desses livros foram lidos. Pelo menos estou familiarizando toda a congregação com nomes de autores confiáveis, os quais, conforme creio, os auxiliarão; e eles notarão que outros nomes estão ausentes.
Em suma, preparar pastores é algo que realizamos por meio do pastorear e discipular com fidelidade a igreja. Para muitos homens, isso talvez implique a recuperação do que significa pastorear e discipular biblicamente. Estágios e programas semelhantes podem ser úteis na preparação de futuros líderes, mas não são necessários. E, se você não começar com um pastorado e discipulado fiéis, seminários e estágios pouco acrescentarão.
9M: Faça uma lista para o pastor cuja igreja não pode oferecer um programa de estágio. Em termos práticos, o que ele deveria começar a fazer para preparar futuros líderes?
Dever:
1) Ore para que Deus honre a sua congregação, levantando presbíteros para eles.
2) Ore para que esses futuros presbíteros sejam identificados e treinados.
3) Prepare-se para separar parte de seu salário e do orçamento da igreja para realizar este objetivo. Talvez isso signifique ajudar um jovem proveniente de uma família pobre a ter uma boa educação, talvez pelo menos um bacharelado.
4) Prepare-se para empregar seu tempo e o de sua igreja neste propósito. Por exemplo, desde o meu quinto ou sexto mês nesta igreja eu designava leigos, que eram líderes, para pregar nos domingos à noite. Depois separava um tempo particular para fazer revisão com eles. Isso lhes dava interesse e lhes ensinava sobre pregação.
5) Leia o clássico de Robert Coleman, Plano Mestre de Evangelismo Pessoal. Esse livro não faz uma abordagem ampla sobre evangelismo, mas é um ótimo livro sobre discipulado. Ele simplesmente nos chama a seguir a Jesus, dedicando nossas vidas a alguns homens (três, doze) e compreendendo o poder que há em fazer isso. Temos a tendência de pensar que dirigir reuniões com centenas de pessoas é sempre o melhor meio de avançarmos. E certamente há ocasiões em que faremos isso. Nosso Senhor dirigiu grandes reuniões. Mas isso não foi tudo o que Ele fez e, provavelmente, não foi a sua principal atividade.
observar rapazes QUE valem a pena
9M: Como distinguir um rapaz no qual vale a pena dedicar sua vida de outro que não vale a pena?
Dever: Fazendo aquilo que Phillip Jensey chama de “observar rapazes que valem a pena”! Eu diria que o mais importante é observar a diferença entre os homens que não reagem à iniciativa e demonstram pouco interesse e aqueles que reagem e mostram interesse consistente. Estes são freqüentemente os homens que possuem o dom para o ministério.
9M: Conheci rapazes que gostavam de estar comigo, mas não eram abertos ao ensino. Há algo mais necessário além de simplesmente estar “disponível”?
Dever: Nesta altura, você faz uma boa observação. Pode haver pessoas que gostam apenas do relacionamento pessoal, mas não se mostram reativas. Você pode continuar a amá-las, mas não se dedique a elas do mesmo modo. Você está tentando – principalmente se é pastor ou presbítero – está tentando multiplicar, e não apenas adicionar. Você deve estar tentando achar multiplicadores, multiplicar-se neles e por meio deles.
ADOTANDO “A VISÃO DE LONGO PRAZO”
9M: Lembro-me de que, certa vez, o ouvi dizer: “Você nunca será um pai, marido ou pastor bem-sucedido, se não souber como adotar a visão de longo prazo”. Os pastores de hoje lutam contra o adotarem a visão de curto prazo em oposição à visão de longo prazo das coisas?
Dever: Não conheço os pastores do mundo inteiro, mas certamente, em uma cultura próspera, de satisfação imediata, como a ocidental, devemos responder que eles lutam, porque podemos ter satisfação rapidamente, sempre que optamos por isso.
9M: O que você quer dizer quando aconselha os pastores adotarem “a visão de longo prazo”?
Dever: Você não pode ficar erroneamente encorajado ou desencorajado pelo que vê em si mesmo no momento ou pelo que vê Deus fazendo em você agora. Deus não está limitado ao tempo; Ele possui a visão de longo prazo. E, se temos de ser servos dEle, devemos fazer o mesmo.
Você sabe que, ao lidar com seus próprios filhos, não consegue resultado imediato. Sabe que em seu próprio casamento não conquista necessariamente resultados imediatos. O que temos de fazer em nosso casamento e em nossa paternidade é o mesmo que devemos fazer em nosso pastorado. Sabemos aonde desejamos chegar e nos movemos naquela direção. Se as pessoas reagem ou não imediatamente conforme desejamos, isso não cabe a nós. Apenas continuamos nos movendo na direção certa e tentamos estabelecer meios para isso.
9M: Qual a relação entre preparar futuros pastores e adotar a visão de longo prazo?
Dever: Futuros pastores não são feitos em um dia. A princípio, eles não são, necessariamente, identificados do modo correto. E, uma vez que os identificamos corretamente, não acharemos neles todos os frutos. Há pessoas que você acha não chegarão a lugar algum; no entanto, elas chegam. Quanto a outras, você pensa que chegarão aonde quiserem, mas não chegam. Contudo, você deve continuar seu trabalho, devagar, com segurança, paciência e encorajamento. E entenderá que não pode, literalmente, “fazer” pastores; somente o Senhor pode dar o crescimento. Não estou sempre certo a respeito de quem será ou não um bom pastor. No entanto, o Senhor permite que me dedique como posso. Por isso, sigo em frente com perseverança, e o Senhor abençoa.
Traduzido por: Laura Macal Lopez
Do original em inglês: Raising Up Pastors Is the Church’s Work? (I e II).