Liderança

Paulo preferia estar solteiro?

Por Thomas R. Schreiner

Thomas R. Schreiner serve como pastor de pregação na Clifton Baptist Church em Louisville, Kentucky. Ele é também professor de Novo Testamento no Southern Baptist Theological Seminary e escreveu Romans (Baker, 1998) e Paul, Apostle of God’s Glory in Christ: A Pauline Theology (InterVarsity, 2001), entre muitos outros títulos.
Artigo
20.10.2020

A diferença entre católicos romanos e protestantes, pelo menos nos Estados Unidos, é bastante notável. No catolicismo romano, não se pode ser padre se não for solteiro, mas no protestantismo (pelo menos na maioria dos círculos nos Estados Unidos), é difícil tornar-se pastor de pregação, ou o que muitas vezes é chamado de pastor sênior, a menos que seja casado. Uma notável exceção existe na Grã-Bretanha, onde tivemos vários pastores solteiros, como John Stott, Dick Lucas, Vaughn Roberts, etc.

Paulo preferia estar solteiro

Dado o contexto cultural nos Estados Unidos, é surpreendente ver como Paulo fala positivamente sobre ser solteiro. Ele deseja que todas as pessoas sejam solteiras (1Co 7.6) e aconselha aos viúvos e solteiros a permanecerem como estão, se possível (1Co 7.8). Permanecer solteiro é preferível por causa da “angustiosa situação presente” (1Co 7.26), e aqueles que não são casados são aconselhados a não “procurar uma esposa” (1Co 7.27). As pessoas casadas estão “preocupadas com as coisas do mundo” (1Co 7. 33-34), mas os solteiros “preocupam-se com as coisas do Senhor” (1Co 7.32, 34) e, portanto, a pessoa solteira pode se concentrar em agradar ao Senhor (1Co 7.32). Paulo acha que aquele que não casa sua filha faz “melhor” do que aquele que a casa (1Co 7.38). Aqueles que não se casam são “mais felizes” (1Co 7.40).

As instruções de Paulo em 1 Coríntios 7 são revestidas de autoridade?

As pessoas reagem ao que Paulo diz em 1Coríntios 7 de várias maneiras diferentes. Alguns dizem: “Bem, o que temos em 1Coríntios 7 é apenas a opinião de Paulo”. Esse argumento está errado, pois Paulo termina o capítulo dizendo que ele possui “o Espírito de Deus” (1Co 7.40), que é outra maneira de dizer que suas palavras escritas aqui são inspiradas. Quando Paulo distingue entre seus mandamentos e os mandamentos do Senhor (1Co 7.10-12), ele não está sugerindo que suas palavras não sejam revestidas de autoridade. Paulo simplesmente aponta que o Jesus histórico não falou sobre a questão de um cristão ser casado com um incrédulo (1Co 7.12-16). As palavras de Paulo nesse capítulo têm sim autoridade, pois ele fala como apóstolo de Jesus Cristo.

Relembrando o contexto

Uma melhor resposta observa o contexto em que essas palavras são expressas. Paulo provavelmente responde às perguntas dos Coríntios, e ele não está apresentando toda a sua teologia sobre casamento neste capítulo. Alguns pensam que “a angustiosa situação presente” (1Co 7.26) possa refletir um problema particular em Corinto, como a fome, que leva Paulo a falar mais positivamente sobre estar solteiro, embora eu não esteja tão convencido dessa leitura.

De qualquer forma, para construir uma teologia adequada do casamento, devemos ler toda a Bíblia e, especialmente, o texto fundamental em Gênesis 2.18–25. Eu acho justo discernir do relato de Gênesis que a intenção de Deus seja a de que a maioria dos homens e mulheres se casem. O próprio Paulo reconhece que é preciso que cada um siga o seu próprio dom em relação ao casamento ou a permanecer solteiro (1Co 7.7). Quando consideramos Gênesis 2 e o fato de que um livro inteiro da Bíblia é dedicado ao casamento (Cânticos de Salomão), é justo concluir que a maioria das pessoas não tem o dom de permanecer solteiras. O contexto de toda a Bíblia nos ajuda a interpretar 1Coríntios 7.

Implicações e reflexões

Primeiro, é antibíblico exigir que os pastores se casem. Tal leitura não compreende as exigências de ser um presbítero em 1Tm 3.1–7, como se Paulo estivesse dizendo que alguém deve ser casado para ser um Presbítero, quando seu ponto é que, se alguém é casado, deve ser um esposo e pai piedoso. Além disso, parece bastante improvável que Paulo pensasse que ele mesmo não poderia servir como Presbítero, já que não era casado! Vamos reconhecer que a cultura americana geralmente acha que os pastores devem se casar, mas as escrituras não estão de acordo com isso. É interessante ver como nessa área, mesmo entre os evangélicos conservadores, nossos próprios sentimentos e pensamentos culturais superam a Bíblia.

Segundo, eu sou tão culpado disso quanto qualquer um, mas não vamos supor que todos devem se casar ou encorajar todos a se casarem. Precisamos recuperar a beleza de se permanecer solteiro como é ensinado nas escrituras. Dedicar a vida para o Senhor como uma pessoa solteira é algo que Deus recomenda, mas muitas vezes vemos isso como uma vida de segunda categoria. Sim, Deus quer que a maioria das pessoas se case, mas isso não implica em que viver solteiro seja uma vida de segunda classe. De fato, Paulo prefere a condição de solteiro, já que, nessa situação, alguém pode dedicar-se ao ministério e ao Senhor sem distração.

Terceiro, como alguém pode ter a certeza se deve viver a vida solteiro? Se você tem um forte desejo de se casar ou desejos sexuais intensos (1Co 7. 9), então você deve buscar o casamento. Paulo não está dizendo para as pessoas que têm desejo de se casar que elas precisam reprimir seus desejos e se obrigarem a permanecer solteiras. Acho que o conselho dele é: não pense que você precisa ou tenha que se casar. Se você puder viver feliz como uma pessoa solteira, busque uma vida assim e honre o Senhor com seu tempo.

Quarto, o que tudo isso tem a dizer para uma pessoa que deseja ser casada, deseja o casamento, mas permanece solteira? Mais e mais pessoas em nossa cultura hoje se encontram nessa situação. Quando os anseios de nossos corações não são realizados, estamos experimentando o que a Bíblia chama de “provações” ou “tribulações” (Romanos 5.3-5), embora devamos lembrar que as pessoas casadas também enfrentam provações e tribulações. O anseio pelo casamento é uma provação e uma tribulação, e é provavelmente uma das tribulações mais difíceis que uma pessoa enfrenta. Deus não promete que as dificuldades em nossas vidas desaparecerão e ele não garante que o desejo de se casar será cumprido.

Mas ele promete que estará conosco ao passarmos pelo fogo e pela inundação (Is 43.2). Ele nos chama a confiar nele e nos entregarmos a ele, sabendo que ele nos ama e que ele sabe o que é melhor para nossas vidas. Em todas as coisas, ele está trabalhando para nos tornar mais parecidos com seu Filho, Jesus Cristo (Rm 8.28-29). Deixe-me encerrar, encorajando-o a ler outro artigo sobre a solteirice, por Vaughn Roberts.

Tradução: Paulo Reiss Junior.
Revisão: Filipe Castelo Branco.

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