Pregação

O que um pastor de verdade deve fazer?

Por Bobby Jamieson

Bobby Jamieson é doutorando em Novo Testamento na Universidade de Cambridge. Anteriormente, ele trabalhava como editor assistente do Ministério 9Marks, nos EUA.
Artigo
16.03.2017

Como você descreveria o trabalho de um pastor? Onde você procuraria modelos? Talvez você buscasse as respostas em algumas outras igrejas locais e fizesse algumas adaptações que refletissem a agenda e os programas de sua própria igreja.

Isso seria presumir, é claro, que todo mundo já sabe como um pastor deve ser e o que ele deve fazer. Mas como nós sabemos qual é o papel fundamental de um pastor?

Certamente, devemos olhar para a Escritura para descobrir o que é um pastor. Mas em que lugar da Escritura? Poderíamos começar pelo trabalho implícito às qualificações de um presbítero (1Timóteo 3.1-7; Tito 1.5-10) e, cuidadosamente, considerar mandamentos explícitos dados aos líderes de igreja. Quando ultrapassamos a superfície de alguns desses mandamentos, contudo, uma interessante imagem aparece. Considere Atos 20.28 e 1Pedro 5.1-3, ambos dirigidos a presbíteros de igrejas locais:

Cuidai pois de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes [gr. poimainen] a igreja de Deus, que ele adquiriu com seu próprio sangue. (Atos 20.28, Almeida Revisada Imprensa Bíblica)

Aos anciãos, pois, que há entre vós, rogo eu, que sou ancião com eles e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: apascentai [gr. poimanate] o rebanho de Deus, que está entre vós, não por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem por torpe ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores sobre os que vos foram confiados, mas servindo de exemplo ao rebanho. (1Pedro 5.1-3, Almeida Revisada Imprensa Bíblica)

Em ambas as passagens, a principal tarefa do pastoreio é resumida com o verbo grego poimaino, cujo significado básico é “apascentar”, isto é, tomar conta de ovelhas (Lucas 17.7; 1Coríntios 9.7). Tanto Paulo em Atos como Pedro em sua primeira epístola resumem o trabalho de pastorear em uma palavra: apascentar.

Em Efésios 4.11, Paulo se refere aos pastores como “apascentadores-mestres”, novamente demonstrando que a ideia de apascentar é básica no que tange ao ofício pastoral. De fato, a própria palavra “pastor” vem do latim pastor, que significa “apascentador”. Assim, apascentar é básico no que tange à palavra “pastor” e às descrições bíblicas do pastoreio.

Mas onde nós aprendemos o que significa apascentar? Se você tem alguma familiaridade com ovelhas e suas necessidades, então você já tem uma ideia básica. Ovelhas necessitam ser alimentadas, cuidadas, guiadas e protegidas. Os pastores fazem essas coisas por seu povo, transpostas para um sentido espiritual.

O enredo bíblico do apascentamento

Mas essa metáfora assume uma profundidade ainda maior quando vemos como ela se desvela ao longo do enredo da Escritura. Em última instância, pastores aprendem o que significa ser um pastor pelo modo como o próprio Deus apascenta o seu povo.

O Pastor Divino do Êxodo

O enredo bíblico do apascentamento começa, de fato, quando Deus traz o seu povo para fora do Egito, guia-os pelo deserto durante quarenta anos e os conduz em segurança à sua própria terra.[1] Ao descrever todo o período do êxodo e da peregrinação no deserto, o Salmo 77.20 declara: “O teu povo, tu o conduziste, como rebanho, pelas mãos de Moisés e de Arão”.

Como um pastor, Deus estava pessoalmente presente com seu povo (Êxodo 33.15-16). Como um pastor, Deus protegeu o seu povo (Números 14.7-9; Deuteronômio 23.14). Como um pastor, Deus proveu para o seu povo. Ele os alimentou (Salmo 78.19, 105.40-41). Ele os curou (Êxodo 15.26; Números 21.8-9).

Como um pastor, Deus guiou o seu povo a pastos verdejantes: “Com a tua beneficência guiaste o povo que salvaste; com a tua força o levaste à habitação da tua santidade” (Êxodo 15.13). Como um pastor, Deus gentil e ternamente os conduziu adiante:

Atraí-os com cordas humanas,
com laços de amor;
fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas
e me inclinei para dar-lhes de comer. (Oséias 11.4)

Em tudo isso, Deus apascentou o seu povo por meio de Moisés, o líder humano que havia designado para apascentá-los (Salmo 77.20). E o próprio Moisés pediu ao Senhor um sucessor, a fim de que “a congregação do SENHOR não seja como ovelhas que não têm pastor” (Números 27.17).

Assim, o Senhor, o divino Rei da criação, é também o pastor do seu povo. E ele o apascentou por meio de um pastor humano por ele mesmo designado.

Davi, o pastor-rei

Centenas de anos depois, esse padrão continua no reino de Davi e sua dinastia. O Senhor tomou Davi do apascentamento de ovelhas e o constituiu pastor de Israel (2Samuel 5.1-3, 7.8). O salmista declara:

Também escolheu a Davi, seu servo,
e o tomou dos redis das ovelhas;
tirou-o do cuidado das ovelhas e suas crias,
para ser o pastor de Jacó, seu povo,
e de Israel, sua herança.
E ele os apascentou consoante a integridade do seu coração
e os dirigiu com mãos precavidas. (Salmo 78.70-72)

Assim como Davi ternamente nutria as ovelhas sob seus cuidados, assim também ele, na maior parte, conduziu Israel de modo responsável e compassivo, apascentando-o com integridade e sabedoria.

Contudo, o próprio Deus permanecia como o verdadeiro pastor de Israel. Israel confessava: “Ele é o nosso Deus, e nós, povo do seu pasto e ovelhas de sua mão” (Salmo 95.7). E Davi, designado por Deus para ser “subpastor”, proclamou a sua confiança na provisão, proteção e orientação divinas na sublime poesia do Salmo 23.

Mas nem todos os pastores-reis de Israel conduziram Israel pelos pastos verdejantes da obediência à Palavra do Senhor. Ao contrário, a maioria deles conduziu o povo de Deus às terras devastadas e estéreis da idolatria e da injustiça. Assim, Deus dispersou o seu rebanho por entre as nações como uma punição por seu pecado (Levítico 26.33; Deuteronômio 4.27, 28.64; 1Reis 14.15).

Novos pastores no novo êxodo

Mas o mesmo Deus que dispersou o seu povo prometeu ajuntá-lo novamente. Em Jeremias 23.1-2, Deus pronuncia julgamento sobre os reis ímpios de Israel, os pastores que destruíam e espalhavam o rebanho de Deus. Esses pastores falharam em assistir o povo Deus em cuidado e proteção; assim, Deus irá assisti-los em julgamento. Não apenas isso, nos versículos 3-4, Deus declara:

Eu mesmo recolherei o restante das minhas ovelhas, de todas as terras para onde as tiver afugentado, e as farei voltar aos seus apriscos; serão fecundas e se multiplicarão. Levantarei sobre elas pastores que as apascentem, e elas jamais temerão, nem se espantarão; nem uma delas faltará, diz o SENHOR.

O Senhor irá restaurar a sorte do seu povo e ele terá pastores que cuidem dele, provejam para ele e o protejam. Como esses pastores servirão o povo de Deus? A passagem paralela em Jeremias 3.15 nos conta: “Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência”. Os líderes do povo reunido de Deus irão liderar o povo alimentando-o com conhecimento e com entendimento dos caminhos e da Palavra de Deus.

Não apenas isso, mas Deus também há de levantar um rei supremo, o herdeiro de Davi, que assegurará a salvação de todo o povo de Deus:

Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias, Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado: SENHOR, Justiça Nossa. (Jeremias 23.5-6)

Esse reajuntamento do povo de Deus, um novo êxodo de volta para a sua terra, ultrapassará em glória até mesmo a poderosa libertação do povo de Deus do Egito e será a obra pela qual o povo de Deus há de invocá-lo e lembrá-lo daquele tempo em diante (vv. 7-8).

Então Deus há de ajuntar o seu povo como um fiel pastor. E Deus levantará muitos pastores fiéis que cuidem do seu povo. Contudo, um pastor-rei em particular irá salvar o povo e garantir-lhe o seu florescimento seguro no lugar de Deus, sob o governo de Deus.

Isaías 40.11 apresenta um outro relance do novo êxodo a ser realizado por Deus ao ajuntar, ele mesmo, o seu rebanho:

Como pastor, apascentará o seu rebanho;
entre os seus braços recolherá os cordeirinhos
e os levará no seio;
as que amamentam ele guiará mansamente.

Ezequiel 34 pinta um retrato mais detalhado da obra de Deus como o pastor que salvará o seu povo. Os então pastores de Israel alimentaram a si mesmos, em vez de alimentarem o rebanho, e falharam em curar as ovelhas doentes e em buscar as desgarradas; por isso, agora, o rebanho de Deus está disperso (vv.1-6). Por tudo isso, Deus há de julgar esses pastores ímpios e há de resgatar, ele mesmo, o seu rebanho (vv. 7-10). O próprio Deus irá buscá-lo, resgatá-lo, ajuntá-lo em sua própria terra, alimentá-lo e conduzi-lo ao lugar de descanso (vv. 11-14). “Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o SENHOR Deus. A perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer, a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei; mas a gorda e a forte destruirei; apascentá-las-ei com justiça” (vv. 15-16).

Contudo, Deus também promete: “Suscitarei para elas um só pastor, e ele as apascentará; o meu servo Davi é que as apascentará; ele lhes servirá de pastor” (v. 23). Então o próprio Deus será o pastor de Israel, mas também o seu “servo Davi” o será. E quando Deus novamente apascentar o seu povo, ele terá paz, bênção, segurança, abundância, liberdade, honra e o verdadeiro conhecimento de Deus (vv. 25-31).

Jesus, o bom pastor

Quem é esse pastor que Deus constitui sobre o seu povo? Jesus, o bom pastor. Jesus teve compaixão das multidões porque elas estavam aflitas e exaustas, ovelhas sem um pastor (Mateus 9.36). Jesus é o bom pastor que vem dar vida abundante ao rebanho de Deus (João 10.10), que dá a sua vida pelo rebanho de Deus (vv. 11, 15), que conhece as suas próprias ovelhas (v. 14), que ajunta todas as suas ovelhas em um só rebanho (v. 16).

A metáfora do povo de Deus como rebanho, no princípio, foi usada para descrever Israel no deserto: com fome, com sede, queimado pelo sol, ainda fora de seu verdadeiro lar. Transposto para um sentido espiritual, tudo isso é verdade acerca da igreja na presente era. Como Israel no deserto, nós ainda não entramos no descanso de Deus (Hebreus 4.11). Somos ameaçados não apenas pela fome e privação, mas também por oposição e perseguição.

Agora nós somos fracos e peregrinos, pressionados pelas privações. Mas, em Apocalipse, João nos dá um relance de nosso destino final:

Jamais terão fome, nunca mais terão sede,
não cairá sobre eles o sol,
nem ardor algum,
pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentará
e os guiará para as fontes da água da vida.
E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima. (Apocalipse 7.16-17)

O Senhor Jesus é o nosso pastor e ele é um bom pastor. Contudo, aproxima-se o dia em que ele será nosso pastor e nós nunca mais sentiremos fome ou dor.

Pastoreando como o supremo pastor

Então, o que esse enredo ensina aos pastores da igreja? As famosas palavras de Jesus a Pedro nos apontam a direção certa. Três vezes Jesus perguntou a Pedro se ele o amava; três vezes Pedro respondeu que sim; três vezes Jesus incumbiu Pedro de cuidar do seu rebanho (João 21.15-17). O Evangelho de João usa duas palavras gregas diferentes para “cuidar” ou “alimentar” nessa passagem, mas elas significam a mesma coisa. Ambas se referem ao abrangente cuidado que os pastores demonstram para com as ovelhas: alimentando-as, cuidando delas, guiando-as, protegendo-as. E é exatamente esse o tipo de cuidado que os pastores devem dar ao seu povo.

Pastores devem alimentar o seu povo com a Palavra, exortando-o na sã doutrina (Tito 1.9-10), anunciando-lhe todo o conselho de Deus (Atos 20.27). Pastores devem proteger o seu povo da falsa doutrina e daqueles que buscam desviá-lo (Atos 20.29-31). Pastores devem liderar o seu povo provendo-lhe um exemplo piedoso (Hebreus 13.7), equipando-o para o ministério (Efésios 4.12) e conduzindo com sabedoria os assuntos da igreja (1Timóteo 5.17). Pastores devem cuidar do seu povo provendo-lhe, com ternura, todo o conselho, ajuda e encorajamento que for necessário.

Em uma palavra, pastores cuidam. Eles não apenas se preocupam com o seu povo, eles zelam por ele. Eles o conhecem. Eles o buscam. Eles dão ao seu povo o de que a sua alma precisa, mesmo quando o próprio povo não compreende nem deseja aquilo de que mais precisa.

Em tudo isso, os pastores refletem a imagem de Deus o Pai. Paulo exorta os líderes da igreja: “Exortamo-vos, também, irmãos, a que admoesteis os insubmissos, consoleis os desanimados, ampareis os fracos e sejais longânimos para com todos” (1Tessalonicenses 5.14). Esse tipo de cuidado pessoa-a-pessoa é exatamente o que Deus promete fazer pelo seu povo ao garantir que irá buscar a ovelha perdida, trazer de volta a desgarrada, ligar a quebrada e apascentar todas elas em justiça (Ezequiel 34.16).

E os pastores também refletem a imagem do nosso Senhor Jesus Cristo, que apascenta o povo de Deus antes de qualquer pastor, apascenta-o por meio do ministério de todo pastor e irá apascentá-lo mesmo quando o ministério de todos os pastores houver terminado. É por isso que Pedro chama Jesus de o “Supremo Pastor” (1Pedro 5.4). Jesus é o herdeiro que Deus suscitou a Davi; ele é o único verdadeiro Pastor-Rei do povo de Deus. Contudo, o ministério pastoral de Jesus não exclui os pastores humanos – em vez disso, ele os equipa e fortalece para o seu ministério.

Pastor, acaso você já considerou que o seu próprio ministério em sua igreja local é parte do cumprimento de profecia? Lembre-se de que Deus prometeu levantar muitos pastores sobre o seu povo quando levantasse o seu Supremo Pastor sobre eles (Jeremias 23.4-5). Esses pastores haveriam de alimentar o povo de Deus com conhecimento e com inteligência (Jeremias 3.15).

O quanto as suas prioridades no ministério correspondem àquelas do pastor divino? O quanto você conhece as necessidades espirituais de suas ovelhas? Quanto tempo e esforço você dedica a suprir essas necessidades uma a uma? Você está mais preocupado com quantos novos indivíduos entram no prédio da igreja ou em se a alma deles está faminta ou tem fartura?

Você está vigilante contra as ameaças à saúde do seu povo na fé? Ou você deixa as suas ovelhas à mercê de falsos mestres, por falhar em equipá-los com uma compreensão profunda da doutrina bíblica?

Você sabe quais de suas ovelhas estão fartas e quais estão mal nutridas? Quais estão espiritualmente fortes e quais estão doentes? Quais estão seguras no aprisco e quais estão vagando no deserto?

Se você deseja renovar sua mente quanto ao que constitui o trabalho de um pastor, considere como Deus tem apascentado o seu povo ao longo do enredo da Escritura. Maravilhe-se com o seu gentil cuidado e com sua poderosa proteção. Aprenda com sua paciente atenção às diversas necessidades do seu povo. Admire-se com a profundidade da tenra compaixão divina, com o fato de que aquele que tem nas mãos as galáxias também se inclina para tomar em seus braços aquelas ovelhas que são fracas demais para andar. E ore para que, por sua graça e no poder do seu Espírito, Deus faça de você um pastor segundo o seu próprio coração.

Nota:

[1] Ao longo dessa seção eu sigo a exegese de Timothy S. Laniak, Shepherds after My Own Heart: Pastoral Traditions and Leadership in the Bible, New Studies in Biblical Theology 20 (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2006) [Pastores segundo o meu coração: tradições pastorais e liderança na Bíblia, sem tradução em português].

Mais articles marcado como: