Teologia Bíblica

O Amor de Deus é Centrado em Deus

Por Jonathan Leeman

Jonathan Leeman é membro da Igreja Batista Capitol Hill, em Washington, D.C., diretor editorial da 9Marks, e autor dos livros “The Church and the Surprising Offense of God’s Love”, “Reverberation”, “Church Membership” e “Church Discipline”. Seu trabalho de doutorado é na área da teologia política.
Artigo
30.10.2018

O que é o amor? O amor é um sentimento pelo bem do outro. Algo em você me atrai a desejar o seu bem. Além disso, o bem que desejo para você tem um conteúdo fixo e determinado: Deus. Deus é o bem que Deus deseja amorosamente para os outros, e ele é o bem que deveríamos amorosamente desejar para os outros. Nós amamos melhor os nossos pais, amigos, cônjuges e inimigos quando desejamos que eles conheçam a glória de Deus, um desejo que implica em outro ainda mais supremo de que sua glória seja exibida. Novamente, não sei se qualquer um desses três pensadores disse explicitamente que Deus ama a Deus acima de tudo, mas essa é a conclusão geral do pensamento deles. O amor de Deus é centrado em Deus, e o nosso também deveria ser.

Há muito a ser dito sobre essa questão. No momento, consideremos o que um amor centrado em Deus significa para a postura de Deus (e dos cristãos) em relação aos pecadores. Em resumo, ele exige uma postura complexa. Por um lado, ela é uma postura de afeição universal e indiscriminada pelo bem de todo homem e mulher. É o deleite de dar a todos, porque todos foram criados à imagem de Deus. Você pode ter um vislumbre desse amor quando um antigo pastor congregacionalista do romance de Marilynne Robinson, Gilead, brilhante e nostálgico, escreve a seu filho: “Veja como é divino amar o ser de alguém. Sua existência é um deleite para nós.”19 Amar um filho é provar do amor Deus por seu filho Adão e todos os seus filhos através da criação. Deus nos criou. A nossa existência traz deleite para ele; por essa razão, ele continua a prover até para os seus inimigos (Mt 5.45). “Isso é bom”, diz Deus acerca da nossa existência. “Na verdade, ela é muito boa” (veja Gn 1.31). Ele nos ama de forma geral, como suas criaturas, e nos ama de forma específica, como indivíduos, cada indivíduo de um modo distinto do outro (cf. 139.13-16).

Deus ama a humanidade por causa de algo intrinsecamente valioso ou amável em nós? Logicamente, isso seria impossível. Ele nos criou, e em sua onisciência e soberania, escreveu cada dia de nossa vida antes que um deles viesse a existir (Sl 139.16). Ele é a fonte de tudo o que temos, inclusive de toda boa dádiva que nos tem sido dada desde a criação (Tg 1.17). Sendo assim, não há literalmente nada que Deus pudesse contemplar com afeição em nós que ele mesmo não nos tenha dado antes (cf. 1 Co 4.7). (Podemos criar qualquer coisa em que o nosso Deus onisciente não tenha pensado primeiramente?) Deus ama a todos porque contempla seu próprio trabalho manual, sua própria imagem e glória em todos. O amor de Deus é centrado em Deus. Quando nós, sendo humanos, amamos de um modo centrado em Deus, nós amamos – conforme Agostinho disse – o que concerne a ele ou por causa dele. Isso significa que ansiamos ardentemente por ver seu caráter e glória expressos em toda parte – em nós mesmos, em nossos amigos e famílias, em nossos inimigos, na criação, em tudo. Na visão estratégica da criação, o amor centrado em Deus não carrega julgamento algum e não traça limite algum. Ele experimenta somente prazer e deleite na dádiva de si mesmo.

Por outro lado, o amor de Deus, centrado em Deus, ama adotar uma postura que se opõe a tudo o que se opõe a Deus, assim como você e eu nos opomos a qualquer um que se oponha aos objetos humanos do nosso amor, tal como um amigo ou um cônjuge. Eu amo minhas filhas, por isso tenho uma afeição pelo bem delas. Como, então, não me oporia a alguém ou algo que intentasse o mal delas? Assim também acontece com o amor de Deus por Deus, e o mesmo se dá com qualquer amor verdadeiro que tenhamos por ele. Amá-lo significa ter afeição por sua glória e honra. Por essa razão, uma postura complexa nos é exigida. Deus ama todos os pecadores à medida que eles refletem sua glória; e ele se opõe a eles à medida que eles não fazem isso. O que isso significa é que o amor centrado em Deus deve discriminar; deve ter preferências; deve fazer julgamentos e deve fazer essas coisas à luz do pecado e da queda. Ele não é universal, porque não ama coisa alguma que se oponha a Deus. O amor centrado em Deus não ama o pecado. O que é pecado? Pecado é qualquer coisa que se oponha a Deus e, enfim, intente o mal de Deus. Por essa razão, o amor de Deus, que é centrado em Deus, fará discriminação entre o que é pecado e o que não é; entre aqueles que pertencem ao pecado e aqueles não pertencem; entre aqueles que o amam e buscam a sua glória e aqueles que não o fazem.

Por essas razões, o coração que ama verdadeiramente combinará aspectos de amor e ódio20. Ele odeia qualquer perversão de sua imagem ou qualquer coisa que possa depreciar seu amor, mas esse mesmo ódio se baseia no amor pelo bem. Aquino expressa isso da seguinte maneira: “O ódio pelo mal de uma pessoa é equivalente ao amor pelo seu bem.”21 Ele estava, no entanto, disposto a falar em termos de “amor preferencial”. Assim como devemos amar os que estão mais próximos de nós (eu devo amar meus filhos mais do que as outras crianças do meu bairro), devemos também amar aqueles que são mais semelhantes a Deus em seu caráter e virtude, porque é precisamente pelo caráter e virtude de Deus que o nosso coração deve arder como fornalha, é para a sua beleza que devemos ser atraídos.

Agostinho também percebia claramente que esse amor centrado em Deus exige uma postura complexa que, às vezes, requer que admoestemos e disciplinemos as próprias pessoas a quem amamos. Em uma passagem muito relevante para a disciplina da igreja e para o cuidado pastoral, ele escreve:

Nunca devemos nos encarregar da tarefa de repreender o pecado do outro a menos que, examinando minuciosamente a nossa própria consciência, possamos garantir a nós mesmos, diante de Deus, que estamos agindo por amor. Se as repreensões, ameaças ou injúrias pronunciadas por aquele que você está chamando para prestar contas ferirem o seu espírito, então, para que essa pessoa seja curada por você, você não deverá falar até que você mesmo esteja curado, a fim de que você não aja por motivos mundanos, por mágoa e faça de sua língua uma arma pecaminosa do mal, pagando o erro com erro e maldição com maldição. O que quer que seja que você fale com o espírito ferido será a ira de um vingador, não o amor de um instrutor… E se, como geralmente acontece, você começar um curso de ação movido pelo amor e estiver procedendo com amor, mas um sentimento diferente surgir furtivamente, pelo fato de você ser resistente, desviando-o de reprovar o pecado de um homem e levando-o a atacar o homem em si – melhor será que, enquanto estiver lavando a poeira dos olhos com suas lágrimas, você se lembre de que não temos o direito de tripudiar sobre o pecado do outro, visto que estamos pecando no mesmo tipo de pecado reprovado, caso a ira contra o pecado tenha mais êxito em nos levar a ser pecadores do que a misericórdia em nos levar a ser bondosos.

O simples fato de podermos disciplinar alguém em amor significa que o amor não é indiscriminado. Certamente essa é uma observação bíblica: “Porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6). Mais uma vez, o ponto mais importante é que uma concepção sobre o amor centrado em Deus requer uma postura complexa, o que exige tanto amor quanto julgamento. Do ponto de vista da criação, ele é universal e indiscriminado. Mas do ponto de vista panorâmico da queda, não é. Ele faz julgamentos e se separa daquilo que não ama a Deus.

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