Membresia

Essa é uma questão pela qual você daria sua vida?

Por Matt Schmucker

Matt Schmucker foi diretor executivo fundador do 9Marks. Atualmente organiza várias conferências, incluindo Together for the Gospel e CROSS, enquanto serve como membro da Capitol Hill Baptist Church em Washington, D.C.
Artigo
27.03.2018

Uma vez perguntei a um jovem de minha igreja como estava indo o seu primeiro ano de casamento. Ele respondeu: “Parecido com o Vietnã. É uma zona de guerra. Tem explosões por todo lado”. Conhecendo a esposa dele, percebi que a culpa não era toda dela, pois ela era uma pessoa piedosa e justa. Tive o receio de que meu amigo estivesse cometendo os mesmos erros de um principiante. Ele estava permitindo que todas as questões – as importantes e as insignificantes – fossem um teste de liderança para ele. Pensava que se não vencesse o argumento, poderia parecer fraco ou covarde. Tudo passou a ser uma questão de princípios. O relacionamento deles virou um combate. Quanto mais ele tentava exercer controle sobre ela, mais ela lhe resistia.

Casamento, depois, divórcio

Pastorear uma igreja pode ser algo semelhante a um casamento. E os pastores jovens e inexperientes podem cometer muitos dos erros que os maridos principiantes cometem. Então, como saber quais são as questões importantes e quais não? Pelo que você estaria disposto a dar sua vida?

Todo pastorado passa por um período de “lua-de-mel”, quando as coisas são relativamente calmas; enquanto o novo pastor se estabelece em seu ofício e no púlpito (Eu, pessoalmente, detesto esse termo, pois sugere que a igreja dá ao pastor alguma vantagem durante alguns meses, ou quem sabe, anos, para depois começar a persegui-lo!). Durante esse tempo, ele pode pisar no calo de alguém, mesmo sem querer. Talvez faça uma leve mudança na ordem do culto ou na lista de pedidos de orações, ou nas palavras que sempre são ditas durante os funerais. Mas a congregação está segurando sua, por assim dizer, “língua” coletiva.

Em algum momento a lua-de-mel acaba, e o jovem pastor começa a fazer as mudanças que ele acredita que a igreja gostaria de fazer desde a época em que ele estava na fase de entrevista. A maioria das pessoas pode até estar satisfeita com as mudanças (mas essas são aquelas que não falam). Outras podem ficar insatisfeitas (e essas são aquelas que falam!). As conversas começam de modo tranqüilo. Uma conversa aqui e ali, no corredor da igreja ou na sala de escola dominical. E finalmente acabam chegando “aos ouvidos de um diácono”. Ele concorda com a reclamação, mas revela isso na reunião de diáconos como se estivesse representando o problema de outra pessoa.

O que o jovem pastor faz? Infelizmente, ele costuma ver a reclamação como uma oposição à sua liderança e fica na defensiva. Repreende o “diácono representante” com severidade. Todos voltam atrás em sua posição e o pastor sai da reunião pensando que conseguiu manter firme a sua posição, eliminar a oposição à sua liderança e recuperar a unidade da igreja.

Pelo menos até a próxima oposição. E a próxima. E a próxima. E em pouco tempo, o jovem pastor estará utilizando a mesma técnica para cada oposição. Ele enfrentará os problemas de modo direto, resistindo severamente e “vencendo”, sem perceber que está pagando um alto preço. Cada idéia ou sugestão torna-se uma questão pessoal; ele passa a ver suas idéias como uma extensão de si mesmo. Acha que sua liderança está em jogo. E em breve não resta mais nada a fazer. O pastor e a igreja estão separados e as diferenças são irreconciliáveis.

Considere a unidade

Existem algumas questões na igreja em relação às quais precisamos ser rígidos, e pelas quais devemos dar nossas vidas. Não estou sugerindo que o pastor deva ceder diante de cada questão. Se você fizer isso, vai acabar tendo uma igreja falsa! No entanto, antes de chegarmos a essas “questões”, consideremos um tema que permeia toda a Escritura: a unidade.

O apóstolo Paulo insiste, com freqüência, para que haja unidade na igreja, pois isso reflete a unidade proveniente de Deus: “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer” (1 Co 1.10).

Em outra passagem, ele escreve: “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4.1-3).

Paulo apela para que aqueles que são “espirituais” corrijam aqueles que forem pegos em transgressão, com espírito de brandura (Gl 6.1). E aqueles que são fortes devem suportar as debilidades dos fracos e não agradar a si mesmos (Rm 15.1). Por quê? Por muitas razões, mas principalmente para manter a unidade.

Entretanto, a unidade sempre morre nas mãos da ambição egoísta e dos desejos carnais.

Tiago escreve: “De onde procedem as guerras e contendas que há entre vós? De onde, senão dos prazeres que militam na vossa carne? Cobiçais e nada tendes; matais, e invejais, e nada podeis obter; viveis a lutar e a fazer guerras” (Tg 1.1-2a).

Os líderes evangélicos não estão imunes às guerras e contendas que brotam das paixões e dos desejos ímpios. Entretanto, quando se tornam uma presa desse comportamento, decaem do seu próprio chamado. Jesus diz: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus”. E Paulo diz que o “ministério da reconciliação” nos foi dado (2 Co 5.18). Sim, esses versos se aplicam a todos os cristãos, mas os líderes são chamados para serem exemplos (Hb 13.7). Os líderes designados em Atos 6 para a distribuição de alimentos não foram escolhidos pelo simples fato de terem competência para distribuir alimentos, mas sim por serem cheios do Espírito e de sabedoria – eles sabiam como lidar com as questões de divisões na igreja.

Sendo assim, antes de estabelecer limites e demarcar o seu território, os pastores devem ter essa disposição mental pacificadora, a fim de trazer unidade ao corpo. Precisam ser o que Mark Dever chama de “amortecedores”. Os crentes maduros do corpo de Cristo devem servir de amortecedores para os imaturos, com o intuito de manter a unidade.

Pelo que não vale a pena dar a vida?

Então, por quais coisas eu não daria minha vida?

  • Presbíteros. Apesar de nós, do Ministério 9 Marcas, acreditarmos que a pluralidade de presbíteros é bíblica, prática e muito útil para pastorear a igreja, não cremos que seja imprescindível haver presbíteros para que haja igreja. Isso é sábio? Sim! Necessário? Não.
  • Cultos Múltiplos. Não gostamos de cultos múltiplos porque pensamos que, na verdade, os cultos múltiplos são igrejas múltiplas. Embora existam momentos e circunstâncias que possam exigir cultos múltiplos como, por exemplo, quando um novo templo está sendo construído ou você está em um país onde há perseguição religiosa.
  • Música. As “Guerras da Adoração” vêm diretamente do inferno. Satanás deve pensar que este é um dos seus maiores trunfos: fazer com que os crentes estejam divididos sobre a forma como adorarão o único Deus verdadeiro. Certamente, nessa guerra, é necessário que cada uma das partes ceda, aqui e ali, para que haja unidade.

Temo já ter colocado os meus pés na areia movediça, e muitos leitores pensarão que estou me afundando ainda mais ao fazer uma lista como essa. Mas o ponto principal é: precisamos reconhecer a diferença entre aquilo que é essencial e o que é secundário. Não pretendo relegar os assuntos secundários à pilha de assuntos não importantes. Entretanto, desejo, de fato, considerá-los à luz do chamado que temos para a unidade; para termos uma só mente.

Em Filipenses 4.2-3, Paulo escreve: “Rogo a Evódia e rogo a Síntique pensem concordemente, no Senhor. A ti, fiel companheiro de jugo, também peço que as auxilies, pois juntas se esforçaram comigo no evangelho, também com Clemente e com os demais cooperadores meus, cujos nomes se encontram no Livro da Vida”.

Paulo reconhece que essas duas cooperadoras do evangelho, salvas, têm algo em comum que é mais importante do que qualquer outra coisa a respeito da qual elas possam discordar entre si. Por essa razão, ele apela para que a igreja abandone a disputa (questão secundária) pela causa do evangelho (questão essencial).

Pelo que devemos dar nossas vidas?

Sendo assim, pelo que eu daria minha vida? Para ser sincero, não há muitas coisas.

  • Pregação. Se minha igreja quisesse eliminar a pregação e substituí-la por algo como um diálogo, uma peça de teatro ou qualquer outra coisa, eu consideraria que o tempo de meu ministério ali teria terminado. Ouvir e reagir à Palavra de Deus é algo fundamental à igreja.
  • “Bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam” (Lc 11.28).
  • A igreja primitiva se reunia para se dedicar à doutrina dos apóstolos e à comunhão (At 2.42).
  • Paulo diz que: “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17).

No fim de sua vida, sentado em uma prisão, escrevendo aquilo que seria a sua última carta ao seu discípulo mais novo, Timóteo, Paulo afirma: “Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: prega a palavra” (2 Tm 4.1-2).

Um dia, Timóteo, você estará diante de Deus para prestar contas do seu ministério, e o que você mais desejará naquele dia é ter pregado a Palavra desde agora até àquele dia. Essa é uma causa pela qual vale a pena dar a vida.

  • O Evangelho. O evangelho também é uma causa pela qual vale a pena dar a vida. Comprometa o evangelho ou coloque qualquer outra coisa no lugar de nosso substituto, Jesus Cristo, e a aliança entre o pastor e seu rebanho estará quebrada. No entanto, as tentações para comprometermos o evangelho nem sempre são evidentes. Não é como se um membro da igreja aparecesse e pedisse para que você estudasse o livro de Mórmon. Ela é mais sutil: “Pastor, será que o senhor poderia ser menos crítico na questão da depravação total? Por que não fazemos uma série de estudos de dez semanas sobre temas como ‘a igreja ideal’ ou o ‘casamento ideal'”? Conheço um ministro de música que disse ao seu pastor: “Eu gostaria de tirar fora essas três músicas que o senhor escolheu sobre o sacrifício de Cristo; o senhor tem transformado a música do domingo em uma coletânea de sangue”. Aquele ministro estava ofendido com todo aquele sangue!

Termino com uma lista bem pequena, com apenas duas coisas pelas quais vale a pena dar a vida. Ao fazer isso, cabe a você, leitor, considerar quantas questões essenciais há na igreja, pelas quais vale a pena dar a vida.

Deixo, com você, os meus dois últimos pensamentos. Primeiro, estamos falando sobre como fazer com que a igreja local se torne, de fato, uma igreja reformada. O primeiro princípio numa situação de reforma é: não reforme aquilo que você não ama. Não estou falando de amar eclesiologia; estou falando de amar um grupo específico de pessoas em uma igreja local. Se você não amar aquele grupo de pessoas, estará sendo severo demais e indo muito rápido com sua reforma.

Em segundo lugar, quando estava na casa dos meus vinte anos, um texano idoso me disse: “Matt, os jovens costumam superestimar aquilo que podem fazer a curto prazo e menosprezar aquilo que podem fazer a longo prazo”. Creio que nunca compreendi a verdade dessa afirmação como a compreendo agora, por volta dos meus quarenta anos. Precisamos ser pacientes com as nossas congregações, da mesma forma que somos pacientes com as nossas crianças. Não podemos esperar que uma congregação que recebe um ensino deficiente compreenda as verdades profundas da fé e as aplique de modo mais eficiente do que esperamos que os nossos filhos pequenos o façam. Mas podemos ser pacientes, ensiná-la e esperar no Senhor.

Traduzido por: Waléria Coicev

Revisão: Tiago Santos

Do original em inglês: Is this a Hill worth dying on?

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