Liderança

Ame a Igreja Mais do que a Saúde da Igreja

Por Jonathan Leeman

Jonathan Leeman é membro da Igreja Batista Capitol Hill, em Washington, D.C., diretor editorial da 9Marks, e autor dos livros “The Church and the Surprising Offense of God’s Love”, “Reverberation”, “Church Membership” e “Church Discipline”. Seu trabalho de doutorado é na área da teologia política.
Artigo
04.10.2014

Este artigo é para os homens de doutrina. Homens com opiniões eclesiásticas. Aqueles que acham que a Bíblia fornece orientações para as práticas e as maneiras de estruturar a igreja.

Espere um segundo, estou falando de mim mesmo e, de todos nós doMinistério 9 Marcas e, talvez, de você. Agradeço a Deus por sua vida e me alegro por me considerar um co-participante com você no trabalho em prol do reino de Cristo.

Contudo, tenho notado que você e eu somos susceptíveis a um tipo de tentação: podemos amar mais a nossa visão de como uma igreja deveria ser do que as pessoas que constituem a igreja. Podemos ser como um homem solteiro, que ama a idéia de uma esposa, mas que se casa com uma mulher real e descobre que é mais difícil amar a mulher verdadeira do que aimaginária; ou como uma mãe que ama mais o seu sonho de ter uma filha perfeita do que a sua própria filha.

Aqui há um perigo implícito para todos nós que temos aprendido muito com os livros, congressos e ministérios sobre “igrejas saudáveis”; os quais, aliás, são muito bem-vindos. Começamos a amar mais a idéia de uma igreja saudável do que a própria igreja na qual Deus nos colocou.

Lembro-me de ter escutado, por acaso, um presbítero reclamando porque uma família havia permitido que seu filho, ainda não batizado, recebesse a Ceia do Senhor, quando o prato com o pão da comunhão era passado entre as pessoas que estavam nos bancos. O que me espantou foi o tom que o presbítero utilizou. Foi decepcionante e desdenhoso, como se ele estivesse dizendo: “Como eles puderam fazer isso? Aqueles tolos”! Mas aquelas pessoas eram ovelhas que não haviam sido ensinadas. É óbvio que elas não sabiam que não deveriam fazer aquilo. E Deus lhes havia dado aquele presbítero, não para reclamar delas, mas para amá-las e levá-las a um grau de entendimento maior. Naquele momento, parecia que aquele presbítero amava mais a sua própria visão de uma igreja bíblica do que aquelas pessoas.

E como é fácil reagir como esse presbítero.

O que não estou querendo dizer

Não estou querendo dizer que devemos amar as pessoas e esquecer tudo o que diz respeito à saúde da igreja, como se essas duas coisas pudessem ser separadas. Também não estou dizendo que devemos colocar o amor e a Palavra de Deus em um ringue, para disputarem entre si. Amar alguém é desejar seu o bem, e somente Deus pode definir o que é “o bem”. Amar a igreja significa, em parte, desejar que ela cresça em tudo aquilo que Deus define como bom. É desejar que sua igreja cresça numa direção bíblica.

Simplificando, se você ama seus filhos, você desejará que eles sejam saudáveis.

Então, o que quero dizer ao falar que deveríamos amar a igreja mais do que a saúde da igreja?

Voltando ao Evangelho

Quando Cristo morreu pela igreja, Ele tornou-a sua propriedade. Identificou-se com ela. Deu o seu nome a ela. Por essa razão, perseguir a igreja é o mesmo que perseguir a Cristo (At 9.5), e pecar contra um cristão é pecar contra Cristo (1 Co 8.12; cf. 6.15). Nós representamos a Cristo, quer seja individualmente, quer como um corpo.

Pense no que isso significa. Significa que Cristo deu o seu nome aos cristãos imaturos e aos cristãos que falam muito durante as assembléias da igreja, aos cristãos que erram por oferecer a comunhão aos seus filhos não batizados, e aos cristãos que gostam de músicas superficiais no louvor. Cristo identificou-se com cristãos cuja teologia é subdesenvolvida e imperfeita. Ele aponta para aqueles que erroneamente se opõem às estruturas bíblicas de liderança e à disciplina na igreja e diz: “Eles são meus representantes. Pecar contra eles é pecar contra mim”!

Como o amor de Cristo é largo, comprido, alto e profundo! Cobre multidão de pecados e aceita o pecador. Na verdade, não somente aceita o pecador, mas também coloca o mesmo valor de sua glória sobre o pecador – o meu nome repousará sobre eles, e a minha glória será deles.

Deveríamos voltar ao evangelho sempre, não é mesmo?

Pastor, dê a si mesmo e não de si mesmo

Um teólogo ajudou-me a entender a diferença entre dar a si mesmo e dar de si mesmo. Quando dou de mim mesmo a você, de forma geral, dou daquilo que possuo: minha sabedoria, minha alegria, meus bens ou minha força. E é lógico que não arrisco coisa alguma nesse processo, pois recebo louvor ao dar dessas coisas. Na verdade, posso dar tudo o que tenho, até o meu próprio corpo para ser queimado, e não ter amor. No entanto, quando dou a mimmesmo, não dou apenas algo que possuo, mas dou todo o meu ser. Identifico o meu ser com o seu ser. Começo a dar atenção ao seu próprio nome e à sua reputação porque as vejo ligadas a mim mesmo. Toda glória que eu vier a ter passará a ser sua, e toda glória que você recebe é a glória que mais me alegra, pois é minha glória também!

É assim que deveríamos amar uns aos outros na igreja, porque foi assim que Cristo nos amou. Não somente aceitamos uns aos outros; mas valorizamos uns aos outros da mesma forma que valorizamos a nós mesmos. Partilhamos das glórias e tristezas uns dos outros. “Se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam” (1 Co 12.26). Consideramos cada um os outros superiores a nós mesmos (Fl 2.1-11). De fato, recebemos o mesmo nome de família e agora somos irmãos e irmãs (Mt 12.50; Ef 2.19; etc). Se você insultar ao meu irmão, estará insultando a mim. Se você defraudar ao meu irmão, estará defraudando a mim. Nada é assunto da igreja. Tudo passa a ser um assunto pessoal, porque o evangelho é pessoal. Cristo morreu por você, cristão; morreu por mim; a fim de que pudéssemos ser seus representantes e sermos parecidos com Ele (Sim, Ele permanece como o alvo final do amor que temos uns pelos outros, assim como o amor dEle nos foi dado para que amássemos o Pai – o alvo final do amor de Cristo). E se todos os cristãos devem amar dessa maneira, nós, que somos pastores e presbíteros, também devemos.

Dizer que devemos amar a igreja mais do que a saúde dela significa isto: que devemos amar as pessoas porque elas pertencem ao evangelho, não porque elas estão guardando a lei de uma igreja saudável, mesmo que essa lei seja boa e bíblica. Significa que devemos amá-las por causa do que Cristo fez e declarou, não devido àquilo que elas fazem.

Se você ama os seus filhos, você desejará que eles sejam saudáveis. Mas se você ama os seus filhos, você continuará a amá-los, sendo eles saudáveis ou não.

É lógico que você pode se alegrar quando um irmão ou irmã está crescendo em entendimento teológico. Vocês podem se alegrar na unidade maior que vocês partilham agora, na verdade de Deus (ver 2 Jo 1). Mas o seu amor cristão – que tem como modelo o amor de Cristo, que “morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” – deve também estender-se àqueles que são imaturos em sua teologia, eclesiologia e moral, pois esse amor é baseado na perfeição e na verdade de Cristo, e não na perfeição e na verdade de seu irmão.

Pastor, se sua igreja estiver cheia de crentes fracos, ainda assim você deve se identificar com eles como se eles fossem fortes. Talvez você sinta-se mais à vontade com pessoas “da mesma opinião” (termo popular usado entre os reformados); com irmãos maduros que partilham da mesma teologia que você. Tudo bem. Mas se esse irmão de “mente teológica” quiser que você compartilhe do mesmo desprezo que ele sente por aqueles irmãos que são “menos teológicos” e mais imaturos, você deve dizer: “Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu. Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (Lc 15.31-32).

Presbítero, ame o seu rebanho como seus filhos e filhas. Entre nas arquibancadas da vida deles e os aplauda quando eles fizerem os seus gols, bem como nos dias em que eles cambalearem no campo, esgotados. Na alegria e na tristeza deles, como se fossem em sua própria alegria ou tristeza. Tolere a insensatez deles. Não se sinta ameaçado quando eles demonstrarem desprezo por você. Pague a maldição com bênção. Lembre-se que desembaraçar-se do pecado que há no coração é um processo lento, e que, nem sempre, eles conseguirão ajudar a si mesmos. Seja paciente como Aquele que tem sido paciente com você.

Ou, para usar uma metáfora bíblica diferente, você não acha que o amor que você tem por sua igreja deveria ser o tipo de amor que ama “na alegria ou na tristeza, na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença”, mesmo que não seja um amor do tipo “até que a morte nos separe”? Você não deveria cuidar da igreja da mesma maneira que cuida do seu próprio corpo, por ser essa a maneira como Cristo tem amado a você e a mim?

Era Assim que Paulo Amava

Essa é a maneira como Paulo amava as igrejas. Ele deu a si mesmo, não somente de si mesmo. Ele disse aos filipenses que eles eram a sua “alegria e coroa” (Fl 4.1). Disse o mesmo aos tessalonicenses (1 Ts 2.19).

Pastor, você considera os crentes teimosos de sua igreja e aqueles que possuem uma teologia simplista como se fossem sua alegria e coroa? Você se identifica com eles dessa maneira? Paulo refere-se às igrejas como o “seu motivo de orgulho” (2 Co. 1.14; cf 2 Ts 1.4). Você age assim?

Ele disse aos coríntios que eles eram seus “filhos” e que, pelo evangelho, ele era o “pai” deles (1 Co 4.14-15); e tinha o mesmo sentimento em relação aos gálatas, a Timóteo e a Tito (Gl 4.19; 1 Tm 1.2; Tt 1.4).

Presbítero, você tem associado o seu nome e sua reputação à sua igreja, assim como um pai faz com seu filho?

Como é comum ouvirmos palavras de amor e de saudade da boca de Paulo! Ele escancara o seu coração e anseia ver as igrejas fazendo o mesmo (2 Co 6.12-13). Almeja ver os crentes e estar com eles (Rm 1.11; Fl 4.1; 1 Ts 3.6; 1 Tm 1.4). Sente saudade deles com a mesma afeição que Cristo demonstrava (Fl 1.8). Sabia que a sua tribulação era para a salvação e conforto deles, e que seu conforto era para o conforto deles (2 Co 1.6). Paulo não deu de si mesmo a eles, retendo um pouco para si, como fizeram Ananias e Safira. Ele deu a si mesmo.

Paulo não amava apenas os crentes maduros dessa maneira. Leia as epístolas dele e você logo se lembrará do quanto muitas dessas igrejas eram doentes!

Que o Espírito de Deus aumente o nosso amor, de modo que possamos imitar Paulo, assim como ele imitava Cristo.

Jonathan Leeman é membro da Capitol Hill Baptist Church, serve como diretor editorial no 9Marks e é autor do livro “Church Membership: How the World Knows Who Represents Jesus”Você pode segui-lo no Twitter.

Traduzido por: Waléria Coicev. Revisão: Tiago Santos.  Copyright: © 9Marks © Editora FIEL 2009.