Conversão

A Beleza da Conversão

Artigo
07.10.2014

Para muitos, a doutrina cristã da conversão parece qualquer outra coisa, exceto bela. Eles dizem que ela é coerciva – “Ninguém pode impor suas crenças sobre mim!” – ou ofensiva – “Quem é você para dizer que minha crença e meu modo de viver estão errados?”.

Nesses sentidos, é claro, a beleza está nos olhos de quem vê. A coisa mais importante a respeito de doutrina não é se ela é feia ou bonita, mas se é falsa ou verdadeira. Dito isso, a verdadeira doutrina da conversão cristã é mesmo claramente bela.

Sob um aspecto, a conversão é bela do mesmo modo que todos os tipos de transformações são belos. No ensino fundamental, as crianças estudam a metarmofose da lagarta em borboleta ou do girino em sapo. Na escola dominical, elas aprendem como essas transformações ilustram a mudança que ocorre no coração humano da “morte no pecado” para a “nova criação”. Uma flor desabrocha, um ovo é chocado, um bebê pássaro estende suas asas pela primeira vez. Cada uma dessas transformações é bela à sua própria maneira, mas elas também são todas belas de uma mesma maneira. Em tantos cantos e recantos da criação, Deus implantou a revelação da sua glória que é exercida na mudança da morte espiritual para a vida eterna.

Uma das leis do mundo natural é que as coisas deixadas por si mesmas não progridem, mas regridem. Tudo morre. Contudo, nesse mesmo reino, Deus codificou a beleza da mudança para algo melhor aqui e acolá. Acaso tudo isso não é indicador da maravilha da salvação?

De fato, a conversão é maior do que isso. Ela é bela em sua simplicidade (pense em Romanos 10.9) e em sua complexidade (pense em Efésios 2.1-10).

Mas não é suficiente dizer que a salvação é bela. Vamos demonstrar.

Bela em sua Orquestração

A conversão é bela em sua orquestração. Há um instante decisivo de conversão: em um instante nós não cremos de modo salvador que Jesus Cristo é o Filho de Deus e que Deus o ressuscitou dentre os mortos, então, no instante seguinte, nós cremos.

Aquela decisão inicial de crer, de agarrar-se a Cristo com a mão vazia da fé, é o instante no qual um pecador predestinado que se preocupa apenas consigo mesmo é capturado na ordo salutis. A mira de Deus estava sobre ele desde tempos imemoráveis, mas agora chegou o tempo designado para o chamado eficaz. O caminho traçado pelo homem foi interrompido pelo guiar divino dos seus passos (Pv 16.9).

A conversão é, em algum sentido, tanto a consecução do plano de Deus como um ponto ao longo da jornada. É um momento decisivo, mas quanta deliberação há por trás daquele momento! Nós vemos o esboço dessa deliberação em Romanos 8.30: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”. Os nossos olhos podem contemplar pessoas se arrependendo e professando sua fé em Cristo, mas eles não podem contemplar o eterno peso de glória que as conduz até ali e que continua a fluir dali por diante.

Muitos volumes poderiam ser escritos sobre cada passo no esboço de Romanos 8.30. Há beleza sobre beleza sobre beleza. Uma semente de mostarda de fé plantada no coração quebrantado de um desesperado pecador é a culminação do preconhecimento de Deus daquele pecador, desde antes da fundação do mundo. Mesmo na eternidade passada, Deus, em graça, não levou em consideração a ofensa eterna do pecado cumulativo e contínuo desse indivíduo, predestinando-o em amor para ser adotado como um filho querido. E então Deus enviou o seu Filho unigênito para prover-lhe uma expiação sem pecado, de modo que ele pudesse ser justificado pela justiça de Cristo por meio da ação do Espírito de regenerar o seu duro coração. É simplesmente estonteante, não é? E é ainda mais estonteante que essa semente da fé justificadora cresça por meio da fidelidade do Pai em administrar a fé santificadora, também por meio da obra do Espírito, e isso por todo o caminho até a promessa da glorificação.

Bela em sua Promessa

A conversão é bela em sua promessa. Oh, e que promessa! Acaso ela não vai ao encontro daquilo que verdadeiramente desejamos? Santo ou pecador esperam pelo que todos os dias? Todos desejam mudança. Todos desejam crer que o mal se tornará em bem, e que o torto se fará direito. Todos temos nossas ideias sobre como isso pode ser realizado, mas cada um deseja basicamente a mesma coisa – vida.

Deus pôs a eternidade em nossos corações (Ec 3.11), e cada despertar daí por diante é uma expressão de adoração a um deus ou a outro, a expressão do nosso desespero inato pelo real, o verdadeiro, o amável, a promessa do melhor e mais correto. Em uma citação famosa, Bruce Marshall escreveu: “O jovem homem que toca a campainha de um bordel está, inconscientemente, em busca de Deus”. [1] Isso é verdade acerca de todas as nossas idolatrias – sejam elas o sexo ou a espiritualidade -, mas a verdade inescapável é que ninguém que seja deixado por sua própria conta está em busca do Deus (Rm 3.11). Nós desejamos que os nossos deuses sejam Deus. O que nós buscamos, na verdade, pode ser encontrado apenas Naquele a quem impiamente desejamos evitar.

Então, aqueles que “encontram a Deus” são, na verdade, aqueles que são encontrados por Deus. O Espírito, nosso consolador, está percorrendo a terra, buscando aqueles a quem Ele há de ressuscitar para a vida. Deus é paciente com os idólatras que ele conheceu de antemão, não querendo que nenhum de nós pereça, mas que todos cheguemos ao arrependimento. O seu Espírito acende as luzes em nosso coração, clama “Sai para fora!” da entrada do nosso sepulcro, e o incrível se torna crível. Eu posso ser diferente! Eu posso mudar! Eu posso conhecer a Deus e, por meio dele, conhecer a vida! Como diz o hino, “Nenhuma culpa na vida, nenhum temor da morte – esse é o poder de Cristo em mim!”.

O Evangelho revela a verdadeira esperança para mim e para este mundo. Toda a beleza de criação, das artes, da luta humana pelo progresso e pela iluminação é resumida e achada verdadeira em Jesus Cristo encarnado, crucificado, sepultado, ressurreto e glorificado. E, assim como a sua ressurreição é a primícia (1Co 15.20-23), também a nossa conversão para a fé salvadora é a promessa da conversão para a imortalidade – quando “seremos todos transformados” (1Co 15.50-53).

Bela em suas Operações Incontáveis

A conversão é bela em suas operações incontáveis. A conversão dos homens para a fé salvadora em Cristo é bela em todos os momentos decisivos que abarca. Muitos em minha geração e em outras “fomos salvos” quando descemos o corredor da igreja, levantamos a mão ou repetimos uma oração pré-estabelecida. E muitos em minha geração que se tornaram pastores não se valerão desses apelos especiais a fim de convidar os homens a responderem ao evangelho. Nós todos devemos tomar o cuidado de nos assegurarmos de que o evangelho bíblico está sendo pregado de modo bíblico. Mas que milagre o fato de Deus usar homens falíveis que se valem de meios imperfeitos para administrar o perfeito poder das boas novas de Jesus Cristo!

Eu não sou (mais) um defensor do arrebatamento dispensacionalista pretribulacional, mas minha conversão ocorreu após o Espírito Santo, em sua sabedoria, usar um filme malfeito dos anos 1970 ao estilo “deixados para trás”, para amolecer meu coração, de modo que eu desejasse Jesus para obter perdão e segurança. Eu não empregaria tal recurso hoje, mas sou grato por Deus não ser esnobe nos caminhos pelos quais ele traz os seus filhos à vida. Ele não é pretensioso. A sua força se aperfeiçoa em nossa fraqueza evangelística, até mesmo em nossas pregações e apelos falhos. É maravilhoso para mim ver como Deus opera simultaneamente por meio e apesar do nosso ministério evangélico.

Toda conversão a Cristo resulta de finalmente o contemplarmos como o nosso Cristo, a oferta pela nossa salvação. Um óbvio exemplo é a conversão de Saulo no caminho de Damasco. Muito dramático aquele momento. Para outros, o momento é menos dramático. Uma criança ora num culto de crianças. Um homem vem à frente ao final de um culto. Um colega contou-me que ele assentou-se na igreja todo domingo por quase três anos antes de que finalmente lhe ocorresse: “Espere – eu preciso ser salvo. Eu preciso crer nisso”.

Em sua novela That Hideous Strenght [N.T.: publicado no Brasil com o título Uma Força Medonha, pela Editora Martins Fontes], C.S. Lewis captura em seu estilo inconfundível a conversão ordinária e ao mesmo tempo forte de uma mulher:

O que a aguardava ali era de uma gravidade que beirava a tristeza, e ainda mais. Não havia forma nem som. A terra sob os arbustos, os musgos no caminho e a mureta de tijolos não haviam sido visivelmente mudados. Mas eles mudaram. Uma fronteira fora ultrapassada. Ela havia adentrado em um mundo, ou em uma Pessoa, ou na presença de uma Pessoa. Algo expectante, paciente, inexorável a encontrou sem qualquer véu ou proteção entre ambos…

Àquela altura e profundidade e largura, a pequena ideia de si mesma que ela até então chamava eu escoou e desvaneceu, pouco lisonjeira, para uma distância insondável, como um pássaro num espaço sem ar. O nome eu era o nome de um ser cuja existência, ela jamais suspeitara, um ser que ainda não existia plenamente, mas que era necessário. Era uma pessoa (não a pessoa que ela imaginara), contudo também uma coisa, uma coisa criada, criada para agradar a Outro e para, Nele, agradar todos os outros, uma coisa criada naquele mesmo momento, sem a sua escolha, em uma forma jamais sonhada. E a criação se tornou algo entre esplendor ou tristeza ou ambos, acerca da qual ela não podia dizer se estava nas mãos do escultor ou na massa ainda informe…

A coisa mais grandiosa que jamais lhe acontecera, aparentemente, se deu em um momento de tempo curto demais para sequer chamar-se tempo. A sua mão segurava nada senão uma memória. E, ao segurá-la, sem parar sequer por um instante, as vozes daqueles que não têm alegria se levantaram, uivando e chilrando de cada recanto do seu ser. “Tome cuidado. Retroceda. Não perca a cabeça. Não se comprometa”, elas diziam. E então, mais sutilmente, de uma outra parte: “Você teve uma experiência religiosa. Isso é muito interessante. Nem todo mundo a possui. Quão melhor você agora entenderá os poetas do século dezessete!”.

… Mas as suas defesas haviam sido capturadas e esses contra-ataques não lograram sucesso. [2]

Os demônios lhe faziam oposição, algumas vezes contradizendo-a diretamente, outras vezes mudando o significado da sua experiência. Mas nada – nem mesmo anjos ou demônios – podiam separar Jane do amor de Deus. Então, tanto na quietude de um jardim inglês como nas orações expectantes no altar do santuário, ou na solitude de uma alma sozinha lendo a Bíblia em uma poltrona, a eternidade fluía.

Os caminhos incontáveis pelos quais Deus traz pessoas mortas para a vida são belos, alguns reconhecendo instantânea e completamente novas realidades, outros percebendo sua necessidade ao longo do tempo. Alguns ouvem a mensagem pela primeira vez e respondem em fé. Outros ouvem a mensagem por toda a vida, mas não têm os “ouvidos para ouvir” espiritualmente até algum dia no final da jornada. Isso é engenhoso. Ali está Deus, no vasto arraial da experiência humana e da vida diária, no mundano e no espetacular, exercitando a ressurreição vezes sem conta. E mesmo a mais ordinária das conversões é extraordinária. Os anjos não celebraram menos com a primeira expressão de fé salvadora da minha filha alguns anos atrás, no seu quarto, na hora de dormir, do que fizeram com Paulo 2.000 anos atrás. Toda conversão é um milagre. E a grandiosa visão beatífica de Cristo faz visões beatíficas de nós (2Co 3.18).

Bela em sua Fonte

A conversão é bela em sua fonte. Porque o Criador é glorioso, tudo o que ele faz é glorioso. E por causa dessa verdade essencial, não é verdadeiro o bastante afirmar que “a beleza está nos olhos de quem vê”. A beleza repousa objetivamente na Divindade trina, seja ela contemplada pelos mortais ou não. Davi pede para habitar na casa do Senhor e para contemplar a beleza do Senhor (ver Sl 27.4), mas, ainda que o Senhor não responda tais orações, sua beleza não é diminuída um milímetro sequer.

Por outro lado, a beleza de Deus – mais frequentemente chamada “a sua glória” – é refletida, e até magnificada, à medida que é mais contemplada. Então uma das belezas do ato de Deus ressuscitar homens para a nova vida é que eles passam a refletir a sua beleza em sermões, e canções, e corações cheios de gratidão (Cl 3.16). Depois que Pedro testemunhou os sofrimentos e a ressurreição de Cristo, ele estava apto a referir-se como um “co-participante da glória que há de ser revelada” (1Pe 5.1). Responder ao chamado do evangelho com fé salvadora, então, é de algum modo alcançar essa beleza, e então magnificá-la. “[Para isso ele] também vos chamou mediante o nosso evangelho”, Paulo escreve em 2Tessalonicenses 2.14, “para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo”.

A conversão é bela porque Deus é belo. Ele é belo na grandiosidade e majestade da sua glória, o poderoso resumo de todos os seus atributos e qualidades. O modo como a Bíblia fala acerca da beleza de Deus é, bem, belo. Desde a santidade exposta nas narrativas do Pentateuco ao arroubo dos salmistas, à resposta épica de Deus a Jó, ao assombro dos profetas, ao testemunho dos evangelhos, às exultações extáticas e divinas doxologias das epístolas, ao desconcertante apocalipse de João, a Bíblia é bela ao tratar da beleza intrínseca e esmagadora de Deus.

E este Deus – este maravilhoso, inescrutável e santo Deus – nos conhece e nos ama e nos escolhe e nos chama e nos salva. “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2Co 4.6). Pois toda a beleza da conversão (e há ainda mais para ser explorado por toda a eternidade) é enraizada e ofuscada pela beleza de Deus mesmo, cuja glória se estende sem limites por todo o tempo, assim como para nós, de modo que possamos vê-la e conhecer Jesus e ser transformados para sempre.

Notas:

1. Bruce Marshall, The World, The Flesh and Father Smith (Boston: Houghton Mifflin, 1945), p. 108.

2. C.S. Lewis, That Hideous Strength (New York: Macmillan, 1970), p. 318-319.