Pregação
O perigo das pregações online
Pregar e ouvir o evangelho não são o bastante.
Jesus não apenas pregava o evangelho – ele o mediava. À medida que ele ensinava e servia de modelo ao evangelho da graça, o evangelho era mediado por meio dos seus relacionamentos de carne e sangue. Ele não confiava apenas nas ondas sonoras de sua voz do topo da montanha. Ele sempre descia do monte, direto para a bagunça dos pecadores do dia-a-dia. Jesus estava afeiçoado aos discípulos, os quais estavam afeiçoados uns aos outros. O evangelho se tornou viral por meio da carne e do sangue, não do silício e dos megabytes. Ele mediou o evangelho do Pai, do Filho e do Espírito Santo por meio de relacionamentos do tipo pai-e-filho com outros. A sua encarnação não foi apenas para carregar a cruz, mas também para se tornar uma pessoa a quem os seus discípulos pudessem imitar.
Paulo também trouxe o evangelho à terra ao lidar com as facções e a escatologia excessivamente realizada em Corinto. A igreja estava mais voltada para personalidades do que para pessoas de verdade, guiada por personas em vez de “geradas” por mentores que pudessem imitar. Escrevendo à igreja, Paulo contrasta os preceptores com os pais: “Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus. Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores” (1 Coríntios 4.15-16). Preceptores eram tutores contratados, ligados aos seus estudantes pelo dinheiro. Pais, contudo, são líderes relacionais, ligados aos seus filhos pelo amor. Paulo também chama a igreja a mediar o evangelho por meio de relacionamentos próximos e imitáveis.
Portanto, não é suficiente identificar-se com um preceptor do evangelho. Autores favoritos, pregadores e mestres não são suficientes para o discipulado. Mestres contratados e relacionalmente desafeiçoados não podem substituir pais afeiçoados e amorosos. Na tradição de Jesus e Paulo, a igreja precisa desesperadamente de recuperar um evangelho relacionalmente mediado. Precisamos de pais, não apenas de preceptores.
De quem é a culpa: internet ou pastores?
Atualmente, muitos cristãos se identificam com pregadores específicos por meio de podcasts ou sermões online. Ouvir esses sermões pode ser um tremendo benefício para o crescimento cristão e a profusão do evangelho. Contudo, nas mãos de pecadores, sermões online também podem se tornar um obstáculo ao crescimento. Os ouvintes podem ficar tão apegados a um pregador de fora da sua igreja que passam a se identificar menos com aqueles de dentro da sua igreja. Eles adquirem um evangelho tecnologicamente mediado, não um relacionalmente mediado.
Quando isso ocorre, os discípulos retardam o seu crescimento e a missão da igreja. Eles põem a doutrina acima da vida, em vez de cuidarem juntamente da vida e da doutrina (1 Timóteo 4.16). Quando o discipulado é dominado pela doutrina, ele tende a produzir “atletas de sofá”. Os discípulos tentam ditar as jogadas, criticando pastores locais por não serem como outros pregadores “celebridades” ou por não “fazerem igreja” como certos líderes. A comparação da internet (não a internet em si) mina a centralidade da igreja local. Em vez de ativamente procurarem líderes locais para serem discipulados, os membros de igreja passivamente ouvem os sermões de outros pregadores. À medida que “incontáveis preceptores” são reunidos em listas de reprodução de podcast, o discipulado local entra em declínio. Essa “comparação da internet” compromete o impulso discipulador do evangelho. Ela produz mais preceptores e tietes do que pais e filhos. E, o que é pior, ela representa de modo distorcido o evangelho do Deus que faz discípulos.
De quem é a culpa por essa crise? Da tecnologia? O magnata da comunicação General David Sarnoff observou: “Nós somos muito propensos a fazer dos instrumentos tecnológicos bodes expiatórios dos pecados daqueles que os utilizam”. A culpa não é da internet; é nossa. Desviar a culpa para a tecnologia não ajudará nossas igrejas a levantarem pais espirituais que discipulem outros. Pastores e não pastores confundem uma dieta de informações teológicas com um discipulado da vida como um todo. Como resultado, nós enfrentamos uma escassez de fazedores de discípulos em meio a um banquete homilético.
Tanto pastores como igrejas precisarão se arrepender.
Arrependimento para as igrejas
Há discípulos nas igrejas locais que precisam se arrepender da comparação com líderes-celebridades. Alguns precisarão confessar aos seus líderes. Outros simplesmente precisarão mudar. Estabelecendo um novo rumo, eles devem passar a afirmar a liderança de seus pastores locais e buscar maneiras de se engajarem na missão da igreja de fazer discípulos. Reconhecendo que Deus designou presbíteros e líderes para o seu bem, os discípulos devem buscar localmente um pai, ou pais, no evangelho. Esses pais no evangelho os ajudarão a crescer na graça e no conhecimento de Jesus. Procure um “pai” entre aqueles mais maduros na fé, líderes de pequenos grupos ou ministérios, ou pastores.
Em vez de buscar uma multidão de preceptores para informação, os discípulos devem procurar (e um dia se tornar) pais que discipulam para a imitação.
Embora a tecnologia em si não seja a culpada, a tecnologia pessoal certamente promove o consumidor individual. Ken Myers observa que, no Ocidente, a identidade do “discípulo de Jesus” foi substituída pelo “consumidor soberano”. Enquanto consumidores soberanos, nós escolhemos nossas influências sem nos importarmos com as influências soberanamente designadas por Deus. Nós escolhemos a teologia da internet em vez do discipulado pastoral. Nós preferimos informação isolada a transformação relacional. Embora os pecados do consumismo individualista da comparação evangélica sejam nossos, o ambiente da internet, nos quais se confia excessivamente, de fato trazem consigo esta mensagem: “Discipulado informacional é tudo de que eu preciso”.
Arrependimento para os pastores
Pastores que oferecem informação teológica à custa de relacionamentos genuínos também precisam de arrependimento.
Amigos pastores, a nossa teologia deve discipular. Ela deve se expressar em relacionamentos intencionais de mentoria. Nosso chamado é para pastorearmos não apenas por meio da pregação, mas também com pessoas. Nossos rebanhos ouvem nossos incontáveis sermões, mas será que eles têm muitos pais? Será que estamos priorizando a informação teológica, em detrimento da imitação paternal?
Jesus poderia ter transmitido o evangelho jogando uma Bíblia do céu, lançando um podcast infalível, reunindo seguidores no Twitter ou projetando hologramas de si mesmo em cada vila e cidade. Mas ele não o fez. Ele escolheu a carne, o toque, a visão, o cheiro e a presença humana. O Filho de Deus se tornou um pai espiritual para doze discípulos, a fim de transmitir o evangelho pela carne e pelo sangue. Ele nos chama a fazermos o mesmo. A pregação tecnologicamente mediada – e até mesmo a pregação em pessoa – não é o suficiente. As pessoas precisam ver o evangelho ao vivo e ouvi-lo em um “estéreo” relacional. Elas precisam da nossa presença corporal, com todas as nossas imperfeições. Os discípulos precisam de encorajamento com pulmões e de correção com coração. Todos nós precisamos de pais no evangelho que nos ajudem a imitar Jesus.
Como imitar: pais no evangelho
Talvez você esteja se perguntando: “O que é um pai no evangelho?”. Paulo via a si mesmo como um: “Eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus” (1 Coríntios 4.15). Um pai (ou mãe) no evangelho é alguém que assume a responsabilidade espiritual pelo crescimento de um discípulo (1 Tessalonicenses 2.7-14). Esse relacionamento ocorre quando nos unimos a alguém por meio do evangelho. Não começa porque o pai seja superior em moralidade, experiência ou espiritualidade. Começa por um compromisso comum e jubiloso com a superioridade de Jesus e sua incomparável graça para conosco. O evangelho conecta o pai ao filho, a mãe à filha em uma identidade compartilhada em Cristo Jesus.
Quando nos arrependemos e cremos em Jesus, somos convertidos não apenas ao seu senhorio, mas também somos inseridos em sua família. Essa família se assemelha a circuitos interconectados, religados a uma nova rede de relacionamentos energizados pela graça. Quando a graça está ausente, a rede se arrasta e desconecta. Pais são separados dos filhos e mães, das filhas. Os preceptores dominam. A disfunção familiar penetra sorrateiramente. O evangelho, contudo, oferece uma inacabável fonte de alimentação de graça para fortalecer os relacionamentos familiares. É por isso que precisamos não apenas de pais, mas de pais no evangelho.
Pais no evangelho são modelos de Cristo
Pais no evangelho assumem a responsabilidade por outros ao dar a seus discípulos um modelo a ser imitado. Como um pai no evangelho, Paulo exorta seus discípulos: “Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores” (1 Coríntios 4.15; cf. 2 Tessalonicenses 3.7, 9). O autor de Hebreus recorda à igreja: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram” (Hebreus 13.7).
A imitação é indissociável da família. Minha filha de um ano torce os lábios do mesmo modo que eu faço quando estou pensando. Meu filho de sete anos ama explicar as coisas como eu faço, usando as mãos e tudo o mais. Como pais no evangelho, nós temos uma responsabilidade de mostrar à igreja como é seguir Jesus. Nós devemos ser modelos de Cristo. Para que as pessoas nos imitem, nós precisamos passar tempo com elas. Um encontro ocasional não funcionará. As pessoas precisam compartilhar da nossa vida, assim como da nossa fé. Elas precisam ver nossas lutas, assim como ouvem nossos sermões.
Como um pastor, as pessoas com quem passo a maior parte do meu tempo informal geralmente se tornam pais no evangelho, líderes e pastores. Por quê? Porque tempo compartilhado os expõe a um modelo de Cristo o qual, pela graça de Deus, eles podem imitar com confiança. Eles vêem Cristo por meio do modelo. Eles observam o quão desesperadamente eu preciso do evangelho da graça para refletir a imagem de Jesus. Eles me vêem frustrado e cheio de fé, desencorajado e confiante.
Quando pais no evangelho compartilham suas vidas com outros, o modelo se torna tangível e alcançável.
Fale a verdade do evangelho e ofereça um modelo
Pais também falam a seus discípulos a verdade do evangelho. Eles instruem seus filhos e lhes dão algo para imitar. Preceptores não podem oferecer imitação, porém pais sim. Pais que são presentes são os pais a quem queremos ouvir. Quando somos presentes, nossas palavras têm mais significado. Pais no evangelho vão fundo na vida das pessoas para lutar com elas e por elas na vida. Nossa experiência e exemplo não são suficientes. Elas precisam do evangelho da graça aplicado em áreas concretas e práticas de dificuldade.
Um dos homens com quem regularmente passo tempo é um profissional do campo da tecnologia. Em sua nova posição, ele se achava continuamente frustrado. À medida que fomos removendo as camadas por meio de refeições, orações e vidas compartilhadas, discernimos que ele ficava sumamente frustrado quando seu chefe desaprovava seu trabalho. Aquele exigente chefe tornava difícil que ele trabalhasse em paz. Como resultado, ele oscilava entre um senso de excessiva confiança ou de falta de confiança, a depender de como seu chefe o abordava. Eu compartilhei como a minha confiança na pregação às vezes tinha altos e baixos, a depender de como a igreja respondia. Ele ficou surpreso. Também compartilhei como eu havia encontrado grande confiança em Cristo, pois a Escritura me lembrava que, embora eu fosse inadequado para a pregação, o Espírito de Deus me tornava mais do que adequado (2 Coríntios 2.4-6). O Espírito me lembra de que a minha aprovação vem por meio de Cristo, não da igreja. Semelhantemente, a aprovação do meu amigo estava segura no evangelho, o qual o liberta para trabalhar por causa da aprovação em Cristo, não da aprovação do seu chefe. Como resultado, a nossa confiança não sobe e desce pelo que as pessoas pensam, mas descansa com segurança no que Cristo pensa. Trabalhando juntos ao longo de 1 Coríntios, fomos surpreendidos por esta promessa: “tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus” (1 Coríntios 3.23-24). Nós temos tudo de que precisamos embrulhado no amor e na aprovação do Pai e do Filho! Agora, nós encorajamos um ao outro regularmente com essa verdade do evangelho. Ao compartilhar a minha vida como um modelo, juntamente com falar-lhe a verdade do evangelho, fez com que meu “filho espiritual” enfrentasse o desemprego notavelmente bem, mediante uma confiança mais profunda em Cristo.
Ao discipular outros, precisamos estar presentes o suficiente para fornecer um modelo, mas também precisamos ser verdadeiros o suficiente para apontar-lhes Cristo. Como bons pais, nós precisamos assegurar a nossos discípulos que eles são amados e aceitos independentemente do seu sucesso em nos imitar. Por meio desse tipo de relacionamento, outros podem ver que o evangelho da graça é suficiente para nos conduzir tanto pelo fracasso como pelo sucesso.
De que precisamos
Se a igreja há de crescer, pais devem estar presentes para serem imitados. Discípulos precisam buscá-los. Precisamos encontrar tempo com homens e mulheres que possam mediar o evangelho a nós. Pastores e líderes de igreja devem ir além de apresentar a verdade, oferecendo um modelo. A igreja precisa da verdade do evangelho e de modelos relacionais. Precisamos do evangelho mediado por pais, não apenas preceptores.