Ministério

O coração de um pastor discipulador

Por Bobby Jamieson

Bobby Jamieson é doutorando em Novo Testamento na Universidade de Cambridge. Anteriormente, ele trabalhava como editor assistente do Ministério 9Marks, nos EUA.
Artigo
23.03.2017

Qual você acha que é a qualidade essencial de um pastor que faz discípulos? Aqui está a minha melhor tentativa: é regozijar-se no ministério de outros.

Pesca com o apóstolo Paulo

Em seu livro A arte de pastorear, David Hansen apresenta uma notável ilustração disso ao descrever o paralelo entre um grande “diretor espiritual” e um grande guia de pesca:

A maior qualidade dos maiores guias de pesca é a maior qualidade dos maiores diretores espirituais. Os melhores guias de pesca, os suprassumos dessa profissão, todos amam ver seus clientes pescarem peixes tanto quanto gostam de pescar peixes eles mesmos. Às vezes beira o ridículo o modo como um guia de pesca verdadeiramente grande começa a rir, até mesmo a dar risadas como uma jovem garota de ensino médio, quando um cliente começa a pescar peixes.

Hansen continua:

Do mesmo modo, a característica que distingue os grandes diretores espirituais é a alegria pueril. Por puro amor eles lhe dedicam toda atenção e, quando você pesca o seu peixe, quando a sua rede está cheia, sempre há aquele sorriso, aquele brilho no olhar que lhe diz que eles simplesmente acabaram de passar a melhor hora do dia deles com você.[1]

Prosseguindo com sua espiritualidade um tanto mística e contemplativa, Hansen considera que o papel de um diretor espiritual é discernir a obra de Deus na vida de alguém e prestar atenção a ela. Eu penso que isso certamente é um elemento do discipulado pastoral, mas a Escritura vai além. Efésios 4.11-13 afirma que Cristo deu “pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus”.

Em outras palavras, o trabalho do pastor é equipar os membros da igreja para desempenharem o ministério, para edificarem uns aos outros até a maturidade. A fim de refinar a ilustração de Hansen, o trabalho de um pastor não é meramente pescar para o seu povo – embora isso certamente seja parte dele –, mas ensiná-los a pescar. E eu sugiro que é apropriado examinar um pastor por quanta alegria ele encontra nas obras do ministério de outros e quão bem constrói o seu ministério em torno dessa alegria.

Pense sobre a criação de filhos. É importante para as crianças terem cadarços amarrados, mas é muito mais importante que aprendam, no tempo oportuno, como amarrar os cadarços sozinhas. Embora os pais, com certeza, façam inúmeras coisas para os seus filhos, eles devem sempre ter um olho naquilo que podem ensinar seus filhos a fazerem por si mesmos. E os pais, de sua parte, têm excessiva alegria em cada nova habilidade que seus filhos adquirem. Assim deve ser com os pastores.

Não armazene ministérios, espalhe-os ao redor

À luz disso, pastores não devem armazenar ministérios. Em vez disso, eles devem espalhá-los ao redor.

Seja um canal, não um beco-sem-saída

Cuidar das pessoas é de vital importância no pastorado – não há o que discutir. Mas, se o seu ministério pessoal envolve apenas o cuidado, então você corre o risco de tornar as pessoas dependentes de você, em vez de equipá-las para encontrar cuidado em outros e cuidar de outros.

Novamente, pregar, ensinar e evangelizar são cruciais ao ministério pastoral. Mas digamos que esteja há dez anos no pastorado e você é a única pessoa na igreja que compartilha regularmente o evangelho ou que é capaz de ensinar na escola dominical ou que é capaz de pregar a Bíblia. Quão saudável seria a sua igreja?

Você não deseja ser um beco-sem-saída, e sim um canal. Não deseja estocar ministério, mas encher os pratos de outras pessoas com tanto quanto elas possam lidar e, então, ajudá-las a lidar.

Tentados a estocar

Muitos pastores são tentados a fazer tudo por si mesmos. Por um lado, especialmente se você for o único com o título de “pastor”, as pessoas naturalmente olharão para você em busca de basicamente tudo. Mas é o seu trabalho reeducá-las.

Mais do que isso, pastores podem ser tentados a estocar ministério, uma vez que há algumas coisas que eles podem fazer melhor do que todos os demais na igreja. Mas será muito melhor para a sua igreja suportar algumas aulas fracas de escola dominical e, depois, alguns meses ou anos depois, ser alimentada por um mestre habilidoso que cresceu sob o seu treinamento diligente. Será muito melhor para a igreja aprender a ouvir e atentar para outros conselheiros do que você tentar carregar todos os fardos sozinho.

Uma questão do coração à espreita

Há à espreita, aqui, uma questão do coração. O nosso orgulho pode se empolgar com um trabalho ministerial bem feito – especialmente se esse trabalho for devidamente notado pelos membros da igreja. É preciso verdadeira humildade, portanto, para tirar os holofotes de si mesmo e direcioná-los a outros. É preciso genuíno desprendimento para designar outra pessoa para algo que você poderia fazer melhor, em nome do crescimento daquela pessoa em Cristo e, no fim das contas, em nome do crescimento de toda a igreja.

Se o seu desejo é equipar a sua igreja e ajudá-la a crescer até a maturidade, então você encontrará tanta alegria no ministério exercido por outros quanta em exercê-lo por si mesmo, ou até mais. E essa alegria será contagiante. Ela ajudará a fazer brotar em sua igreja toda uma cultura de discipulado e de treinamento ministerial.

Exemplos práticos dessa postura

Quais são alguns exemplos práticos dessa postura de alegrar-se no ministério de outros? Aqui estão três.

Distribua ministérios

Primeiro, esteja sempre em busca de distribuir ministérios. Obviamente, todos aqueles a quem você confiar o ensino, a pregação ou o aconselhamento devem ser piedosos, teologicamente saudáveis e demonstrar compromisso e interesse naquele ministério. Mas não torne as exigências impossivelmente elevadas. Esteja pronto a investir na congregação para treiná-la a abraçar ministérios exercidos por “amadores”. No longo prazo, isso será muito melhor para a sua igreja do que um espetáculo de um homem só.

Para mencionar apenas o ensino público: se a sua semana regular é repleta de ensino e pregação, considere o quanto disso você pode gradualmente escoar para outros presbíteros, presbíteros em potencial ou outros homens mais jovens que demonstrem interesse no ministério. Ou, se a sua igreja tem relativamente poucos pontos de ensino, considere como você pode multiplicar ocasiões de ensino a fim de criar um contexto para o desenvolvimento de mais mestres. Talvez um conjunto de turmas de escola dominical com tópicos e conteúdos definidos seja o ideal.

Reconheça e encoraje, bem como critique

Segundo, reconheça e encoraje os esforços de outros, ainda que vacilantes. Lembre-se de que aquilo que você fez mil vezes os seus discipuladores, mestres e conselheiros em treinamento estão fazendo pela primeira vez.

O seu encorajamento é fortalecedor e vivificante, então, seja generoso com ele. Celebre até mesmo os menores sucessos. Mostre aos seus membros da igreja que você se deleita em todos os frutos espirituais que eles dão, mesmo se eles próprios estiverem desencorajados e pouco impressionados com tais frutos. Se você deseja alguma inspiração neste aspecto, leia o excelente pequeno livro de Sam Crabtree, Practicing Affirmation.[2]

Obviamente, você também precisa oferecer comentários críticos. Então aprenda a fazê-lo de modo gracioso e preciso. Se você deseja que seu povo frutifique, não apenas plante a semente e regue, mas também arranque as ervas daninhas e amarre a jovem planta a uma haste para ajudá-la a crescer reta.

Pense um passo à frente

Terceiro, sempre pense um passo à frente. Não pense apenas naqueles a quem você está ministrando, pense naqueles a quem eles estão, ou em breve estarão, ministrando. Considere o que Paulo diz em 2 Timóteo 2.2: “E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros”. Há quatro “gerações” de cristãos nesse único versículo: Paulo, Timóteo, “homens fiéis” e “outros”. Como Paulo, um pastor que faz discípulos está sempre pensando no próximo elo da cadeia relacional.

Sendo assim, pergunte à pessoa que você está discipulando: “Quem você está discipulando?”. Considere como a sua agenda anual de pregação pode ser usada não apenas para edificar o seu rebanho, mas também para levantar outros pregadores na sua congregação. Encontre maneiras de envolver outras pessoas no ministério que você já está exercendo. Pergunte a si mesmo: “Quantas ‘gerações’ de cristãos meu ministério regular está alcançando? Será que eu estou apenas apagando incêndios espirituais, ou estou treinando uma unidade inteira de bombeiros?”.

Pessoalmente, eu passei de alguém paralisado pelo temor dos homens a alguém razoavelmente capaz de fazer evangelismo pessoal apenas por acompanhar um amigo e ouvi-lo travar conversas sobre o evangelho em nosso campus universitário. O discipulado certamente envolve expor outros ao seu próprio caráter, de modo que, pela graça de Deus, eles o imitem. Mas também deve envolver expor outros às suas competências ministeriais, de modo que eles imitem essas competências na medida que Deus os capacite e lhes conceda dons.

É óbvio que a vasta maioria do ministério que os membros da igreja realizam não será pública ou facilmente quantificável. Ainda assim, você deseja encorajar e deleitar-se em todo ministério capacitado pelo Espírito que os membros de sua igreja realizem, de limpar os banheiros da igreja a trazer a refeição de um membro mais velho. E você deseja que sua alegria no crescimento deles se traduza na alegria deles no crescimento de outros. Você deseja discipular todo o seu povo para que eles próprios se tornem fazedores de discípulos.

Não adição, e sim multiplicação

Pastores que se deleitam no ministério de outros logo descobrirão que o ministério deles consiste mais em multiplicação do que em adição. Se você distribui ministérios, encoraja os esforços dos outros e constantemente pensa uma ou duas “gerações” à frente, você, pela graça de Deus, levantará discípulos que fazem outros discípulos. E isso é apenas o começo.

Então, eu oro para que, como um grande guia de pesca e um pai amoroso, você encontre alegria no ministério dos seus membros. E oro para que Deus lhe conceda encontrar maneiras de cultivar essa alegria no solo da sua agenda diária.

Notas:

[1] David Hansen, The Art of Pastoring: Ministry Without All the Answers (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994), 157, ênfase no original [N.T.: publicado em português sob o título A arte de pastorear: um ministério sem todas as respostas (São Paulo: Shedd Publicações, 2005)]. O livro de Hansen é uma misturada teológica, mas, apesar disso, é uma memória pastoral perspicaz. Para um livro que transforma o argumento básico deste artigo em uma completa filosofia de ministério, ver Colin Marshall and Tony Payne, The Trellis and the Vine (Sydney: Matthias Media, 2010) [N.T.: Sem tradução em português].
[2] N.T.: Em tradução literal, “Praticando o reconhecimento”. Sem publicação em português.

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